Por Helena Oliveira
em Filmes
11/11/2024 - 18:30
O paradoxo da solidão, uma constante inevitável da vida que acompanha o ser humano desde o nascimento até a morte, revela-se ainda mais intrigante quando confrontado com a notória indiferença das pessoas ao longo do caminho. Muitos se recusam a compartilhar experiências e emoções capazes de justificar suas jornadas, preferindo ocultar aquilo que consideram sagrado, longe do olhar alheio, com a intenção de evitar surpresas desagradáveis. Contudo, apesar desse desejo profundo de isolamento, é notável a obstinação quase irracional em moldar-se às expectativas sociais.
O indivíduo se adapta a padrões de comportamento, cujos detalhes tornam-se mais meticulosos quanto mais se observa, uma maneira conveniente de esquecer as próprias solidões, traumas e idiossincrasias que tornam a rotina menos entediante. No entanto, nem tudo está perdido; persiste a esperança de encontrar, por acaso ou destino, alguém cuja forma de viver se assemelhe à nossa, sem intenções ocultas.
Com o passar dos anos e o amadurecimento que surge no momento apropriado, percebe-se que as conexões formadas na infância têm maior probabilidade de resistir às separações impostas pela vida, embora essa mesma vida, paradoxalmente, se encarregue de desfazê-las à medida que crescemos. Isso apenas reforça a noção de que a amizade é uma força capaz de transformar histórias e, em casos raros, mudar o curso de vidas e até mesmo do mundo.
Quando essa energia se junta aos desejos humanos, o resultado é um emaranhado de sentimentos conflitantes, mas que pode gerar algo único e indescritível — o verdadeiro mistério das relações que permanecem intactas. Este enigma não se aplica aos personagens de “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”. No segundo capítulo dessa franquia, Rian Johnson continua a explorar uma narrativa de suspense engenhosa, retratando figuras abastadas e desinteressadas que se envolvem em jogos arriscados na tentativa de fugir de sua própria futilidade.
Inspirado em uma canção dos Beatles, o roteiro de Johnson desvela as camadas intricadas das relações humanas, que, apesar de parecerem claras, filtram a luz de modo a transformá-la em algo negativo. Com uma abordagem que homenageia a tradição de Agatha Christie de forma inovadora, Johnson não abre mão de trechos cômicos que equilibram a trama. A narrativa, que a Dama do Crime apreciaria pela sua ousadia, rompe com a convenção ao manipular o gênero de mistério de forma a não focar tanto em quem agiu, mas em quando a identidade do culpado será revelada.
Na primeira parte da série, o caso envolvia a morte de Harlan Thrombey, um renomado escritor de suspense morto de forma brutal em sua mansão, com toques metalinguísticos que conquistaram o público. Agora, o detetive Benoït Blanc, interpretado por um Daniel Craig em sua melhor forma, é convocado para se infiltrar entre convidados excêntricos e perigosamente imprevisíveis.
A crítica social, sempre presente, não se perde em meio à complexidade da história. Kate Hudson se destaca como Birdie Jay, uma socialite imprudente que busca diversão através de festas que literalmente saem de controle, enquanto compartilha opiniões que oscilam entre o ingênuo e o ofensivo nas redes sociais. Janelle Monáe, em uma performance dupla, surge como a figura da consciência do grupo. Se “Glass Onion” peca, é pelo tempo de projeção excessivo, que, embora permita a reflexão sobre o desfecho, pode levar a especulações além do necessário.
Contudo, nada que um próximo capítulo de Benoït Blanc não possa corrigir.
Filme: Glass Onion: Um Mistério Knives Out
Diretor: Rian Johnson
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Crime/Thriller
Avaliaçao: 9/10 1 1 Helena Oliveira
★★★★★★★★★★
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