quinta-feira, 31 de março de 2011

Carlos Pereira - Lanternas Coloridas



um conto - uma crônica

Além das guloseimas próprias da época como pamonha, canjica, bolo de milho, pé de moleque e o milho cozido - todas feitas em casa, sob a orientação de minha avó, Mãe Venância e com as mãos de minha mãe literalmente na massa, não podia faltar o milho verde assado nas brasas da fogueira. Além desse conjunto gastronômico que, de tão bom às vezes resultava em barriga inchada, duas coisas bem interessantes marcavam a festa do São João do meu tempo de menino-adolescente.

A primeira era a brincadeira repetida todos os anos com algum perigo e um bocado de engenho e criatividade, que custava pouco dinheiro e rendia bons momentos de diversão, geralmente feita às escondidas, para evitar a proibição materna. Era o torneio chamado de "latas para cima", uma disputa entre alguns concorrentes para definir quem, com bombas chilenas, conseguia jogar mais alto a lata vazia de leite Moça ou Ninho. Eram de cinco a sete meninos que, com caixas de bombas chilenas compradas na loja de "Seu Cosminho", preparavam um máximo de três bombas, de cada vez, arrumando-as em série, sob a lata, de modo a estourá-las simultaneamente, ou em sequência de poucos segundos. Ganhava quem conseguisse jogar a lata no ponto mais alto e aí, para decidir, um "juiz" era chamado a intervir, pois os índices alcançados sempre terminavam em discussão.

A outra, mais praticada nos dias efetivos de festa (véspera e dia de São João, véspera e dia de São Pedro), era a forma de iluminar a casa, todos os anos cumprida, com absoluto rigor, por meu pai que se outorgava essa tarefa com determinação e prazer. Daí porque, as tarefas inerentes a esse ritual , eram, para ele, indelegáveis. Cabia-lhe escolher as lanternas, colocar as velas no seu interior, dispor as lanternas nas janelas da casa (combinando suas cores com a cor das janelas) e, principalmente, definir o momento de acendê-las e retirá-las de cena.

As lanternas eram feitas de papel crepom em cores e tons variados - todos muitos belos em que predominavam o amarelo, o verde, o azul marinho forte e o vermelho escarlate (eu nunca soube direito o que era "escarlate"). Algumas se abriam como sanfona e eram penduradas em grampos, mais ou menos a um metro do peitoral da janela. Com a vela acesa no seu interior, a sala às escuras, a lanterna aparecia por inteiro, dando um colorido diferente e quase misterioso ao ambiente, difícil de ser esquecido. Outras tinham um franzido horizontal (como uma sanfona de verdade) e outras mais eram construídas em forma de cilindro, alcançando às vezes mais de meio metro de altura. Essas eram colocadas nos vãos das portas mais largas e mais altas, e se portavam como lustres pendentes que não incomodavam a passagem de ninguém.

Era uma forma humilde, barata e criativa de decorar a casa para o São João e as lanternas se faziam acompanhar de bandeirolas feitas de papel celofane e penduradas em providenciais cordões de barbante que antes haviam amarrado as mantas de bacalhau e de carne de charque da venda lá de casa.

Nos dias de hoje, quando vejo uma lanterna acesa numa das muitas casas que, nos bairros mais afastados da cidade, ainda cultivam o antigo hábito, lembro com indisfarçável nostalgia, as lanternas juninas, coloridas e bem iluminadas à luz das velas.

Aquelas eram as inesquecíveis lanternas do meu pai.
Carlos Pereira
Jornalista, escritor, engenheiro e
professor universitário

Publicada no jornal O Norte.

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