Há quem diga que um filme precisa de três décadas para conquistar o status de clássico. Talvez seja necessário também um bom tempo para que coloquemos um título entre os melhores e mais importantes de uma cinematografia. Os argumentos surgem a partir das conversas de redação. Um diz que "Cidade de Deus" é o ponto alto do cinema brasileiro. outro, que é "Tropa de Elite". Não concordo, embora reconheça os méritos de cada um e o significado da projeção internacional que obtiveram, fundamental num país em que a palavra "retomada" foi usada para classificar uma espécie de renascimento da sua produção, dizimada pelo fechamento da Embrafilme.
Cidade de Deus
Tropa de Elite
As conversas me motivam a vasculhar a memória e pensar em grandes momentos do cinema brasileiro. Se formos cronológicos, a primeira e inevitável lembrança é de "Limite" (1931), de Mário Peixoto. O "Dicionário de Cinema", de Jean Tulard, fala do espírito vanguardista e do intimismo simbolista do único trabalho de Peixoto. Lima Barreto conseguiu realizar mais de um filme, mas muitos (inclusive Tulard) só mencionam seu nome por causa de "O Cangaceiro". Western brasileiro que revelou à Europa o cinema da América Latina, diz o "Dicionário de Cinema" no volume dedicado aos diretores. Não é tão bom, mas é muito importante este filme de 1953.
Nelson Pereira dos Santos fez "Rio 40 Graus" quase uma década antes de "Vidas Secas". O primeiro já antecipa alguma coisa que veríamos no segundo, mas este é que recebe o carimbo de Cinema Novo. Entre um e outro, há dois grandes filmes que os cinemanovistas rejeitam: "Assalto ao Trem Pagador", de Roberto Faria, e "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte. "São Paulo S.A", de Luís Sérgio Person, e "Noite Vazia", de Walter Hugo Khouri, são de 1964. "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", de Roberto Santos, é de 1965. "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla, de 1968. Todos necessariamente incluídos entre o melhor que o Brasil produziu.
Rio 40 Graus
Vidas Secas
O Assalto ao Trem Pagador
O Pagador de Promessas
São Paulo S.A.
Noite Vazia
A Hora e a Vez de Augusto Matraga
O Bandido da Luz Vermelha
Quase meio século nos separa da estreia de "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Tempo suficiente para pensarmos que este sim pode ser mencionado como o maior de todos os filmes brasileiros. O Glauber Rocha de "Terra em Transe" também é imprescindível. O país imaginário que ele revela traz os impasses do Brasil dos anos sessenta e ainda parece atual quando revisto hoje."O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", que o mundo conhece como "Antônio das Mortes", é mais respeitado fora do Brasil. Martin Scorsese gosta de exibi-lo para seus atores antes de iniciar um novo trabalho. O seu reconhecimento orgulha os que reverenciam Glauber.
E o Ruy Guerra de "OS Fuzis"? E o Carlos Diegues de "A Grande Cidade"? E o Leon Hirszman de "São Bernardo"? E o Paulo César Saraceni de "O Desafio"? E o Walter Lima Jr. de "Inocência"? E o Arnaldo Jabor de "Toda Nudez Será Castigada"? E o Eduardo Coutinho de "Cabra Marcado para Morrer"?
Os Fuzis
A Grande Cidade
São Bernardo
O Desafio
Inocência
Toda Nudez Será Castigada
Cabra Marcado para Morrer
Chegaremos, sim, na retomada e depois dela. No cinema que renasceu, apesar do governo Collor ter decretado sua morte. Renasceu, conquistou público aqui e respeito lá fora . Mas só o tempo definirá a dimensão de filmes ainda tão recentes e o papel reservado a eles na história de uma cinematografia. "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite" têm longo caminho a percorrer.
Silvio Osias é jornalista.
Publicado no jornal Correio da Paraíba
Edição de 31/03/2013.
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