um conto-uma crônica
Quer dizer que eu nunca mais vou ver o meu Azulzinho? - perguntou a menina, observando o pai que abria a cancela da gaiola.
Azulzinho era, na verdade, um azulão vestido de um azul da cor da alma da criança, mas que ficava ainda mais azul na hora da partida.
A síndica, uma infeliz mulher de olhos negros e coração mais negro ainda, havia proibido a presença de qualquer espécie de animal no prédio. Era preciso obedecer à ordem.
- Quer saber de uma coisa, filha, para ele vai ser até melhor, pois só assim ganha a liberdade - tentou argumentar o pai, escancarando a portinhola de arame.
Mas a menina nao hesitou:
- E eu, pai? Se Azulzinho for embora, eu vou com ele...
Desconcertado, o homem não soube o que responder, e ficou observando os movimentos do passarinho que saltitava de um lado para o outro da gaiola, fazendo respingar água sobre o seu rosto. Finalmente, o pequeno inquilino azul resolveu assomar à porta e, desconfiado, encarou o mundo que o esperava lá fora.
Primeiro, considerou com um certo ar crítico o clima da manhã desenhada na imagem do sol de verão, pássaro de fogo evadido de alguma gaiola provavelmente pendurada nas estrelas.
Depois, avaliou rapidamente os confins do Cabo Branco e, em seguida, a enseada do Bessa, antes de se lançar no espaço, já em estado de liberdade. Em vôo breve descreveu um círculo sobre a cabeça lourinha da menina, num gesto de despedida emplumada e voltou a pousar na cumeeira da gaiola.
O pai enxugava o rosto, fingindo que era água a lágrima que deveras rolava e a menina exultou.:
-Pai, o Azulzinho não quer ir embora.
De fato, na avaliação do passarinho, os infinitos do céu engastados na paisagem do Atlàntico sobravam debaixo de suas asas. Não precisava de tanto assim. Por isso, voltou. Como a porta ficar aberta, tornou a entrar.
E tornou a cantar o azulão, deixando ainda mais azul a alma da menina.
Depois disso, ficou morando em liberdade na varanda cor-de-rosa da menina, em companhia de outros pássaros de todas as cores e de todos os cantos, que vinham bicar a comida na sua mão.
Incapaz de modular a mais singela das notas, a síndica triste e pesada recolher suas asas impróprias para o vôo e, desviando os olhos impróprios para os sonhos, desistiu de proibir que os passarinhos frequentassem a varanda cor-de-rosa da meninazinha de alma azul.
Luiz Augusto Crispim.
Escritor, jornalista e advogado.
A Dama da Tarde.
Páginas 73 e 74
Nenhum comentário:
Postar um comentário