segunda-feira, 26 de julho de 2010

Luiz Augusto Crispim - Milagres

Só um milagre nos salva desta vez - proclamam as cassandras da derrota nacional.

Pode ser.

Curioso, mas quase ninguém se dá conta dos milagres que nos cercam no correr da vida.

Ora, direis, milagres?

E por que não?

A sobrevivência consentida além-fronteiras das favelas deserdadas e dos grotões renegados e dos alagados esquecidos e das caatingas devastadas já não é um grandioso prodígio?

Nem todo milagre é apanhado em flagrante...

Há os que se ocultam nos disfarces da tarde e escapam aos olhos dos que não conhecem os encantos do amor. Como não sei rezar direito, peço a Deus por suas almas de pouca fé e nenhum amor.

E todo amor é milagroso. É capaz de curar todos os males deste mundo. E do outro também.

Portanto, perdoa os que não sabem amar, ó Pai.
Eles não sabem o que fazem.

Contanto que milagres não nos faltem jamais.

Eu mesmo, sem eles, não consigo viver.

Na hora primeira do perdão, assim como no minuto derradeiro de ser perdoado, não sei dos dois qual o maior milagre que vai sobreviver aos tempos sem fim.

Que venham, pois, os milagres. Desses discretos e imperceptíveis, anoitecidos nos sussurros da tarde e adormecidos na pele dos amantes ou daqueles outros que enchem a vista na superprodução da fé.

Não importa. Que venham os milagres.

Eles são vídeo-games de Deus.

Deste meu canto humilde, já encomendo o meu. Peço milagres de pouca monta. Não os quero assim tão fenomenais que não me permitam desfrutá-los na dimensão dos sentidos que já são prodigiosos por si mesmos.

Que Deus me conservasse o poder de enxergar a beleza que vem e que passa no doce caminho do mar.

Que Deus me garantisse ternura de mãos se encontrando em toques miraculosos de afagar.

Que Deus não me tirasse da boca esse gosto de fruta madura em feliz entardecer.

São milagres que me bastam.

São os milagres que peço a Deus por mim.

Amém.

Luiz Augusto Crispim.
Escritor, jornalista e advogado.

A Dama da Tarde.
Páginas 104 e 105.

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