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Um conto - uma crônica
Certo dia, um amigo me disse: é preciso ter muita cautela para jamais fazer uma avaliação final de algo ou alguém logo ao primeiro olhar. É necessário focarmos prudentemente o que enxergamos; só assim, realmente, poderemos avaliar de maneira justa a verdade das coisas. Mesmo porque nem tudo o que se apresenta como verdade é realmente verdadeiro.
Imaginem vocês que certa mulher esteja sentada numa poltrona da janela de um avião. Já é noite e, no vôo, todos dormem. A mulher deseja ir ao banheiro do avião, mas percebe que alguém já o está utilizando. Aguarda um pouco e, verificando que o banheiro está agora desocupado, resolve deixar sua poltrona. No entanto, faz-se necessário passar por duas outras poltronas antes que ela alcance o corredor do avião. Para não acordar os dois senhores que estão a dormir nessas poltronas, a mulher decide passar vagarosamente por eles. Neste momento, porém, o avião passa por uma zona de turbulência forte e os bagageiros se abrem, derrubando as bagagens. Em meio àquele movimento brusco, provocado pela turbulência, a mulher perde o controle e cai no colo de um dos senhores adormecidos. Nesse mesmo instante, a luz interna do avião se acende e os demais passageiros passam a olhar aquela cena: a pobre mulher no colo daquele senhor.
O que todos pensaram, naquele momento? Certamente, de pronto e maldosamente, todos imaginaram que a mulher aproveitara o escurinho do avião para fazer amor com o senhor. No entanto, só ela sabe a verdade, sobre toda a cena. Mas, como fazer para que os demais passageiros passem a imaginar o que verdadeiramente ocorrera? É difícil dizer como, porque, como sempre se diz, desde a Antiguidade, não basta ser verdade - é preciso também aparentar que é verdade.
Diante disso, ficamos imaginando quantas pessoas não são injustiçadas, precisamente porque lhes fazemos um julgamento precipitado, em face de uma cena vista por nós e que por si só não condiz com a verdade do que se imagina. Somos realmente humanos e, como tal, temos um grande e grave erro: sempre ao olhar uma cena, seja qual for, vem logo a maldade ao nosso pensamento - e, com isto, deturpamos muitas situações, criando desta forma problemas que por vezes parecem incontornáveis.
É por isso que o magistrado é um ser que deve ter muitíssima cautela, uma prudência redobrada, para fazer seu julgamento com base nas provas constantes do processo, levando em conta o direito e o que é justo para o caso em análise. Julgar é algo bem difícil mesmo: impõe um convencimento bastante apurado do que está sendo analisado, tudo isto para que não ocorra qualquer injustiça.
Não é a toa a lição inesquecível de Dalmo Dallari:
" O importante não é decidir a favor dos ricos ou contra os ricos; o importante não é decidir a favor dos pobres ou contra os pobres; o importante é se fazer justiça".
Outro ensinamento inesquecível me foi dado por meu pai:
" O homem vale pelo seu trabalho, pelas sua atitudes, por tudo aquilo que executa e faz. Por sua ações ou por suas omissões, receberá os méritos ou por eles responderá. É a inevitável lei da causa e efeito, que rege as relações humanas."
Na verdade, antes de julgarmos os outros, primeiro devemos fazer uma auto-análise, verificar nossos pecados, pedir perdão e não mais neles reincidir.
Diz Tomás Kempis:
" Primeiro, fique em paz, e assim será capaz de levar a paz aos outros".
Se todos os dias caminhássemos cultivando e praticando o que Deus nos ensinou, jamais seríamos capazes de ver com maldade qualquer ação praticada por nossos semelhantes.
Não devemos tolher o arbítrio de ninguém, pois todos são livres para fazer o que bem pensam. Todavia, é preciso que todos saibam que para toda ação existe uma correlata reação. É a lei natural. Se você planta o bem, colherá o bem. Mas se plantar o mal, então não há como obter na colheita algo que não seja ruim para você mesmo.
Que Deus abençoe a humanidade, levando-a pelo caminho da paz e da solidariedade.
Onaldo Queiroga
Escritor e Juiz de Direito.Publicada no Jornal Correio da Paraíba.
Coluna: Opinião
Edição de sábado.
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