segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Onaldo Queiroga - Lições De Vida



Entardecer do dia 29 de setembro de 1992, Dirigi-me ao Sousa Ideal Clube para verificar como estavam sendo desenvolvidos os trabalhos do cartório da 35ª Zona Eleitoral, que iria funcionar como local de apuração dos votos da eleição municipal da cidade de Sousa, Estado da Paraíba.

A campanha acirrada e repleta de conflitos exigia um rigor maior e uma fiscalização mais constante do juiz eleitoral, causando um desgaste físico e mental. Ao chegar ao referido Clube, após um dia estafante, antes de entrar, pude contemplar o crepúsculo a banhar nostalgicamente aquele cenário. Repentinamente, ouvi um som melódico, vindo de um pistom, somente reservado aos mestres integrantes de grandes orquestras sinfônicas.

Minha atenção voltou-se ao local de onde provinha aquele som encantador. E contemplei um homem simples, quase mendigo, balançando-se em uma cadeira de palhinha velha.

Estava na varanda suja dos escombros do abandonado prédio onde, em tempos idos, funcionou o Colégio Dez de Julho. E era aquele homem que, no balançar da cadeira, ou mesmo da vida, com um filho de dois anos de idade, aproximadamente, despido, arrastando-se ao seu redor, pela varanda imunda e empoeirada, fazia sair do pistom o mais límpido, fino, cristalino e belo dos sons que minha alma já pôde sentir.

Parei por alguns minutos.Fiquei extasiado e, ao mesmo tempo, chocado, ao vislumbrar aquela cena.De um lado, o som encantador de um pistom que, em meio ao crepúsculo, penetrava em minha alma, de forma profunda. De outro, o artista que executava asquela melodia, um quase mendigo, invasor de um prédio abandonado e que outrora fora palco majestoso da educação sousense.

Daquele cenário, que até hoje se encontra gravado no meu íntimo, deduzi que Deus, com sua sabedoria, concedeu ao quase mendigo um dom divino: o de tocar aquele instrumento, de tocar a vida em notas musicais, suavizando a fome, a dor, a alma de um pobre sertanejo, mas filho de Deus, como todos nós.

Onaldo Queiroga.
Escritor e Juiz de Direito.

Monólogos do Meu Tempo.
Páginas 153, 154 e 155.

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