segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Rubens Nóbrega - Calçadinha 2009




um conto - uma crônica

De tanto a esposa insistir e de tanto ouvir que barriga de chopp só baixa com alimentação correta e caminhadas regulares, resolvi experimentar a receita que todos prescrevem como ideal para melhorar a silhueta dos jovens de idade avançada.

Mostrando que estava levando a coisa a sério, marquei estréia de caminhada para dia e horário em que normalmente estaria praticando erguimento de copo no Ricardinho do Jardim Luna, na Capital, em mais uma sessão da Confraria da Terça.

Reservei o expediente noturno para caminhar porque a lida começa às seis da madrugada e passo o resto do dia ralando e me deslocando (de carro) praqui e pracolá, de modo a atender também à agenda escolar-esportiva de Ila, minha caçula.

Mas não dá pra fazer caminhada de qualquer jeito. Há que ter roupa e calçado adequados. No meu caso, a indumentária me foi diligentemente providenciada pela Professora Madriana, minha consorte (embora eu diga que a sorte é toda minha).

Na data e hora marcadas, lá fui eu pra Calçadinha do Cabo Branco, todo paramentado, além de hidratado (dei logo um susto no fígado, tomando água em plena terça à noite). Tudo para recuperar um pouco da saúde perdida na esbórnia.

Trecho escolhido : do La Tavernetta ao Pontal, que corresponderia ao trecho final ao sul de toda a extensão da Avenida Cabo Branco, que na minha geografia começa à direita do Busto de Tamandaré, na divisa com a praia de Tambaú.

Aos primeiros passos, as primeiras impressões não foram das melhores. Lembrei do amigo Gláucio e concordei com ele. Esse negócio de caminhar parece que faz crescer a barriga. Digo isso porque o que encontrei de barrigudo caminhando...

Isso foi o de menos. Pois não é que comecei tropeçando numa lajota trincada, liberta do rejunte e de ponta arrebitada. Se caísse, relar-me-ia todo sobre a camada fina de areia que tomava conta da calçada naquele trecho muito perigoso para iniciantes.

Só não me esparramei no chão porque havia um poste no caminho e nele me amparei para não cair. Só não deu para evitar o choque, mesmo leve, do meu rosto contra a boca de uma lixeira vermelha, de plástico, amarrada ao mesmo poste.

Quando se deu o contato, fiquei na dúvida se não teria sido melhor ter caído. Vou te contar... O cheiro que me invadiu o nariz fez especular se dentro daquela lixeira não haveria algum urubu morto há uma semana.

Engulhei duas ou três vezes, mas segurei com a dignidade possível o que restava no estômago e reiniciei a caminhada, dessa vez prestando atenção à beleza do lugar e de caminhantes que vinham em sentido contrário ou me ultrapassavam facilmente.

Ocorre que a minha distração quase resulta em atropelamento. Dois skatistas tiraram um fino em mim que só vendo! Foi bom. Foi porque, doravante, fiquei esperto todo.

Tanto que ...

Quando vi uma turba de patinadores se aproximando, pulei pro asfalto.

Perigos adicionais

Usar a pista não me deixou mais tranquilo ou mais à vontade. Tive que caminhar por trás de carros estacionados no pedaço da avenida colado à Calçadinha. E aí fica complicado porque você é obrigado a desviar de ciclistas e corredores.

Tem mais. Caminhando próximo ou sobre a linha que demarca as vagas de estacionamento, você tanto ingere mais fumaça dos carros que passam como, vez por outra, vê o que não deveria no interior dos carros estacionados.

Gastei uns cem metros nessa situação até decidir pelo retorno à Calçadinha, que voltei a pisar num canto menos congestionado, também livre de patins e skates. E aí cuidei de apressar o passo para compensar o tempo perdido.

Pra quê, meu Deus? Pense a cäimbra que me deu na perna direita! E o esforço para desfazer a cäimbra no ato foi tão imenso quanto inútil. Por sorte havia uma barraca próxima e dentro dela um rapaz a quem pedi um pouco de álcool.

Explico. Quando me dá cäimbra, esfrego um pouco de álcool sobre a pele que encobre o músculo contraído. Funciona às vezes. Mas o rapaz da barraca entendeu outra coisa. Quando dei fé, ele estava servindo uma lapada de cachaça.

- Não, meu amigo, eu não quero beber,não.Estou precisando é de álcool mesmo, pra passar um pouco na perna. É que me deu uma cäimbra daquelas e estou que não agüento de tanta dor.

- Ah, o senhor me desculpe, mas tem álcool não.Num quer passar um pouco de cachaça, não? Talvez resolva.

No desespero, acatei a sugestão. Peguei o copo americano com cachaça até o meio, aparei um pouco na mão em concha e esfreguei sobre a região afetada. Aliviou coisa alguma. Ao contrário. Tive a impressão de que a dor aumentara.

Recorri, então, ao meu mais eficiente e diligente pronto-socorro. Peguei o celular e liguei para a minha mulher. Pedi que ela pegasse o carro e viesse correndo me buscar. Mas ela, claro, quis saber logo o que acontecera.

- Deu cäimbra - expliquei.

-Cäimbra? Ah, vai ver você não fez alongamento!

- Que alongamento?

Três ou quatro minutos após esse diálogo ao telefone, ela estacionou na frente da barraca, de onde me rebocou até o carro. Mas deu trabalho entrar. A perna retesada dificultou me acomodar no banco do carona.

Voltamos para casa, enfim. No percurso, como que por milagre a cäimbra se desfez e dei a boa nova à mulher, mas ela não se mostrou impressionada ou satisfeita com a notícia. E ainda questionou-me a seriedade de propósitos.

- Como é que você quer ser uma pessoa saudável desse jeito?

- Que jeito, mô? Do que você está falando?

- Sai pra caminhar e encosta numa barraca pra beber.

- Beber? Mas, meu amor, eu não tava bebendo, não. Eu...

- E ainda quer negar? Como é que pode, homem de Deus? Com esse cheiro de cachaça...

Rubens Nóbrega
Jornalista

Publicada no Jornal Correio da Paraíba.
Edição 15/11/2009.

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