segunda-feira, 21 de março de 2011

Carlos Pereira - Réveillon À Moda Antiga


um conto - uma crônica

Todos em casa se aprontavam como podiam para a virada do ano . Alguns se antecipavam e tomavam banho mais cedo, porque a água, em tempo de verão, ficava mais fraca e havia de se juntar alguma das últimas chuvas no tonel que ficava embaixo da bica, na lavanderia. Eu tinha a obrigação de trazer, na volta da missa do Rosário, dois pombos assados com farofa comprados no Luzeirinho que iriam fazer a festa - juntamente com o peru guisado, cevado no quintal de casa.

Vestíamos a melhor roupa, calçavamos os sapatos (não eram os melhores porque os únicos), penteávamos os cabelos e as mulheres tinham o direito de botar um batom melhor, ganho na festa de Natal.

Estava chegando a hora de começar os festejos de fim de ano, isso que modernamente se chama de réveillon. Abro um parêntese para explicar: réveillon é expressão francesa que significa reviver e foi proposta para, na véspera de Natal, recordar o nascimento de Cristo. Posteriormente, popularizou-se no mundo ocidental como a passagem de ano. Voltando àqueles tempos: as famílias se reuniam em suas casas, as moças iam ver a lapinha da Conceição, mas voltavam antes da meia-noite quando todos estariam juntos, se abraçando, saudando um novo ano que chegava e que - segundo dizia minha mãe - viria com menos sacrifícios para os pobres.

Quando faltavam 15 minutos para a meia-noite, todos estavam a postos e os primeiros sinais apareciam: os fogos começavam a espocar e alguns foguetões mais fortes vindo de Cruz das Armas estouravam - eram girândolas que o novo Comandante do 15º.R.I. mandou preparar. Os últimos transeuntes passavam quase correndo pela esquina da Vasco da Gama, demandando suas casas onde seus familiares os esperavam para a festa.

Os momentos mais esperados eram - como acontecia em todos os anos - o anúncio da Rádio Nacional, retransmitido pela Rádio Tabajaras que, dentro de 5 minutos, o Presidente da República falaria à nação e, em seguida, seriam ouvidos os acordes do Hino Nacional.

Todos se abraçavam e desejavam um Feliz Ano Novo. Comiam as iguarias preparadas pela minha mãe, tomavam copos de guaraná e iam dormir felizes e satisfeitos.

Ontem à noite foi tudo diferente. O DSEC (Departamento de Serviços Elétricos da Capital) não desligou as luzes da cidade, a sirene da Portela não jogou sobre as chaminés da fábrica de cimento e das casas empoeiradas da Ilha do Bispo o seu som estridente dizendo à cidade que o ano velho se foi. O garrafão de guaraná Dore, os pratos de pombo assado, os pedaços de peru com farofa e a garrafa de cerveja Teutônia que minha mãe tinha botado pra gelar no tonel d'água fria - nada disso estava sobre a mesa.

Dentro de casa fui procurá-lo no quarto, ali onde ele sempre se escondia do alvoroço, ajoelhado diante de uma vela acesa em devoção a Nossa Senhora da Conceição. Mas, ele também lá não estava e a imagem da Santa sumiu. Que foi feito dele, ele que nem se despediu de nós, logo ele que prometera estar conosco todos os finais dos anos?

Mas não tem mais quarto, não tem mais Santa, não tem mais pai.

Dele, porém, ficaram para sempre os votos escritos, naquela noite, com sua bela caligrafia, na caderneta que consegui resgatar dentre algumas coisas que ele nos deixou:

- Feliz Ano Novo! Em 1º de janeiro de 1949...
Carlos Pereira
Jornalista, escritor, engenheiro e
professor universitário
Publicada no jornal O Norte.

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