quarta-feira, 30 de março de 2011

Carlos Pereira - A Semana Da Pátria


um conto - uma crônica

Sou de um tempo em que a Independência do Brasil era comemorada durante toda a primeira semana de setembro, tendo seu ponto culminante no dia sete, com a parada cívica militar-estudantil que, naquela época, era a festa que levava mais gente às ruas.

"A Pátria é a família amplificada" - era essa a primeira frase do texto de Ruy Barbosa, leitura obrigatória da Crestomatia e tema para redação em todas salas de aula do cursos primário nos primeiros dias do mês. Além dos ensinamentos patrióticos do mestre Ruy, os professores daquele tempo eram instados a falar sobre o assunto que, diferentemente de hoje, despertava real interesse.

Esses sentimentos ligados à Pátria também eram divulgados nas capas dos cadernos com a transcrição da letra do Hino Nacional, cujos autores Francisco Manuel e Osório Duque Estrada, recebiam os créditos. Além do hino maior, os estudantes também se obrigavam a decorar as letras do Hino da Independência e do Hino da Bandeira, este cantado solenemente em todos os anos, no dia 19 de novembro e que continua sendo um dos mais belos da língua portuguesa.

Sobre o desfile de 7 de setembro propriamente dito, as minhas lembranças se confundem no que tange à época e a alguns acontecimentos. Mas ainda dá para recordar o governador José Américo, na Lagoa do parque Solon de Lucena passando em revista as tropas e muitos anos depois, o magro Governador João Agripino desfilando num carro de combate do Exército Brasileiro em que ocupava pequeníssimo espaço, mais parecendo um traço de paletó e gravata ao lado do garboso militar devidamente engalanado, o General Artur Candal - se não falha a memória.

Do desfile estudantil, rendo merecida homenagem ao desempenho notável de Leonardo Vinagre da Silveira que, todos os anos marchou à frente do Liceu, carregando e fazendo tremular mais alto o pavilhão nacional. E lembro que daquela parada todos nós participávamos marchando, assistindo, reclamando, vibrando e até se emocionando com o Hino Nacional ou mesmo com as coxas grossas das balizas que, seminuas, giravam aquelas varinhas mágicas - simples pedaços roliços de madeira levantados para o ar à sombra dos majetosos ipês da Getúlio Vargas.

E dentro do espírito da semana da Pátria, repasso duas cenas bem diferentes da minha vida de estudante do velho Liceu Paraibano: a primeira, de raiva e tristeza, quando aluno da primeira série do Ginásio, com onze anos e pouco mais de um metro e quarenta, fui colocado na última fila do último pelotão, na famosa "bagaceira", sempre sujeita às vaias contidas e aos comentários irônicos.

A segunda, quatro anos depois, vem em tom de desforra. Já guindado ao Curso Científico, dispensado da formatura, vesti pela primeira vez uma calça de tropical azul, compus o conjunto com uma camisa de linho branco de mangas compridas, arregacei as mangas ao melhor estilo da época, metí na cara um par de vistosos óculos Ray-ban (perfeita imitação), e postei-me na calçada bem à frente, na primeira fila dos espectadores.

Só aí pude aquilatar, por inteiro, como sofreu o menino pobre, mirrado e pequeno que, quatro anos antes, desfilara na abominável bagaceira.
Carlos Pereira
Jornalista, escritor, engenheiro e
professor universitário
Publicada no jornal O Norte.

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