segunda-feira, 14 de março de 2011

Carlos Romero - Quem Canta...



um conto - uma crônica


Ia eu caminhando, aqui na praia, quando chegou aos meus ouvidos, misturado com o rumor das ondas, a voz de um homem cantando. Uma voz limpa, de quem estava satisfeito com a vida. Olhei e vi que ele era um trabalhador da municipalidade, decerto, ganhando um sálario mínimo, com muitos problemas.E indaguei a mim mesmo, será que está em estado de Copa? Acho que não.Acho que ele cantava para se distrair um pouco, pois a vida anda muito difícil.

Fui caminhando e à medida que caminhava, a voz ia se distanciando. Mas pouco depois, eis que outra voz de homem me chamou a atenção. E sabe quem cantava?Um humilde pedreiro de uma construção , aqui perto. Trabalho nada suave. Imaginei-me fazendo aquele serviço e cheguei a suar. Serviço grosseiro que me comoveu, não pelo suor que pingava de seu rosto queimado pelo sol, mas pela sua utilidade. Sem o trabalho daquele pedreiro-cantor, que seria daquela construção? Mas o importante é que o homem cantava e o canto é uma espécie de terapia, pois há um ditado que diz: "Quem canta seus males espanta".

E fiquei refletindo: são poucos os que durante o trabalho, sorriem.

Duvido que você encontre um desembargador cantando durante uma reunião plenária, vestido daquela toga preta. Duvido que os médicos cantem, no consultório ou no hospital, enquanto consultam o doente. Duvido que os militares façam o mesmo, assim, como o coveiro durante um sepultamento. Duvido que os engenheiros e arquitetos, nos seus escritórios, suavizem o trabalho com o canto. Duvido que os senhores executivos, os senhores parlamentares, entoem um canto de alegria, de encantamento diante da vida, enquanto estão em serviço.

O canto é um desabafo. O canto encanta. O canto ameniza as asperezas da vida. E quem canta é porque se sente feliz, de paz com a vida. Quem canta não está pensando, nem sentindo coisas ruins. Ninguém canta com ressentimentos, com ódio, com rancor.

Ah, como é bom cantar. Que o digam os bem-te-vis. O canto é uma benção. Não é Ana Gouveia?Ah, como me comove esta Bchiana nº 5 de Villa Lobos! Vamos cantar, minha gente, para não deixar que a vida ande triste. Não esqueçamos aquele operário de limpeza pública, aquele pedreiro de uma construção, que, com o seu canto, se sente feliz, e quem se sente feliz faz a felicidade dos outros.

O canto - repito - é terapêutico. Mais do que isto é contagioso. Tudo canta na vida.Canta a atureza,canta o mar, cantam as flores o seu canto de cores. Cantam as estrelas e o sol o seu canto de luz. Canta a mãe botando o filhinho para dormir, canta o silêncio quando todos estão dormindo. O canto acaba com o desencanto da vida.

No meu tempo de Exército, conheci um capitão que só vivia assobiando, que é uma maneira de cantar com a boca fechada. E eu nunca vi um homem tão alegre, tão feliz, tão em paz consigo mesmo.

Carlos Romero
Professor e cronista.
Membro da Academia Paraibana de Letras.
Publicada no jornal A União.
Coluna Destaque
Edição de 17/06/1010.

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