um conto - uma crônica
1 - O preço da beleza.
Um sujeito está na feira vendendo vasos. Uma mulher se aproxima, e olha a mercadoria; algumas peças estão sem qualquer desenho, outras foram decoradas com todo cuidado.
A mulher pergunta o preço dos vasos.Para sua surpresa, descobre que todos custam a mesma coisa.
- Como o vaso decorado pode custar o mesmo que um simples? - pergunta. - Por que cobrar igual por um trabalho que demorou mais tempo para ser feito?
- Sou um artista - respondeu o vendedor. - Posso cobrar pelo vaso que fiz, mas não posso cobrar pela beleza. A beleza e grátis.
2 - A cerimônia do chá
No Japão, participei da conhecida "cerimônia do chá". Entra-se num pequeno quarto, o chá é servido, e nada mais. Só que tudo é feito com tanto ritual e protocolo, que uma prática cotidiana transforma-se num momento de comunhão com o Universo.
O mestre do chá, Okakusa Kasuko, explica o que acontece:
- A cerimônia é a adoração do belo e do simples.
Todo seu esforço concentra-se na tentativa de atingir o Perfeito através dos gestos imperfeitos da vida cotidiana. Toda a sua beleza consiste no respeito com que é realizada.
Se um mero encontro para beber chá pode nos transportar até Deus, é bom ficar atento para as outras dezenas de oportunidades que um simples dia nos oferece.
3 - Norma e as coisas boas.
Em Madrid vive Norma, uma brasileira muito especial. Os espanhóis a chamam de "a vovó roqueira": ela tem mais de sessenta anos, trabalha em diversos lugares ao mesmo tempo, está sempre inventando promoções, festas, concertos de música.
Certa vez,lá pelas quatro da manhã - quando eu já não aguentava mais de cansaço - perguntei a Norma de onde tirava tanta energia.
- Eu tenho um calendário mágico . Se quiser, posso te mostrar.
Na tarde seguinte, fui até sua casa. Ela pegou uma antiga folhinha, toda rabiscada.
-Bem, hoje é a descoberta da vacina contra a pólio - disse. - Vamos comemorar, porque a vida é bela.
Norma havia copiado, em cada um dos dias do ano, alguma coisa boa que havia acontecido naquela data. Para ela, a vida era sempre um motivo de alegria.
4 - O desenho que seduzia.
Um grande sábio sufi passou anos meditando sobre a vida. Para dividir seu conhecimento, fez um desenho numa folha de papel, e mostrou aos seus discípulos.
Os seguidores do sábio sufi ficaram tão impressionados com a beleza do trabalho, que mandaram imprimir o desenho numa placa de bronze. Logo a notícia se espalhou, e começaram a vir peregrinos do mundo inteiro, para decifrar cada linha do desenho.Em poucos anos, as pessoas passaram a adorar a placa de bronze, como se fosse sagrada.
- Não é desta maneira que a beleza deve ser vista - disse o sábio, decepcionado. - Ela deve ajudar o homem a compreender os mistérios de Deus, mas não pode ser a razão da vida.
Imediatamente mandou fundir a placa, e transformou-a em um caldeirão.
- Pelo menos, desta maneira o bronze ainda continua belo, mas não perde o seu significado.
Paulo Coelho
Escritor e letrista.
Publicada no Jornal Correio da Paraíba.
Caderno Milenium.
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