segunda-feira, 25 de abril de 2011

Onaldo Queiroga -Os Dois Hortêncios


um conto-uma crônica
Quase todos os dias, após deixar meus filhos no colégio, logo cedo da manhã, passo pela residência de meus pais e encontro dois Hortêncios, nas extremidades da vida. O primeiro é Antônio Hortêncio Rocha, meu avô materno, nos seus noventa e três anos de idade, sempre sentado numa cadeira, dependendo dos outros para qualquer ato que deseje realizar.

Vejo-o, algumas vezes, quieto, com o pensamento distante; outras vezes, demonstra-se inquieto, como se estivesse revoltado por ainda estar neste mundo. Sempre foi um homem digno e honesto, que sempre ajudou o próximo. Sua longevidade é uma característica de família, pois, dos quinze filhos da visavó Nazareth, nove ainda povoam este mundo, estando o caçula com oitenta anos.

Olho para ele e procuro adentrar o núcleo da velhice, captar o mundo dessa fase da vida. O que estaria pensando aquele meu querido velho que, como na música, já caminha lento, como desviando o vento! Imagino que, imune a toda a agitação que o circunda, permance sobrevivendo num difícil respirar, nas noites eternas que, ainda, há de ultrapassar, até reencontrar a face da vida com o brilho do sol, em cada novo alvorecer.

Muitas vezes fala de seus entes queridos que já fizeram a derradeira viagem, como se ainda estivessem por aqui. Com isso, passo a matutar: Será que as lembranças ainda provocam sua mente?

Nesses momentos, lembro-me do texto de Armindo Trevisan, ao escrever sobre os velhos: " Quem pode lhes garantir que tenham lembranças? Nossos nomes já não lhes interessam, nem lhes interessam os nomes das coisas. Por que vivem então? Eis uma questão a que os vivos não sabem responder, e os mortos já responderam. Os velhos a rigor, não têm obrigação de responder. A sua existência é uma resposta. Uma resposta aos que pensam que o tempo é um cavalo sem freio, e que os seus relinchos o acompanham".

O segundo é Antonio Hortêncio Batista Rocha de Queiroga, meu sobrinho. Tem apenas um ano e poucos meses de vida, bisneto do primeiro Hortêncio é filho de Antonio Hortêncio Rocha Neto, meu irmão. É uma criança que sempre traz em seu rosto o sorriso espontâneo, inocente e cativante. Uma criança que conduz em seu olhar a esperança de que devemos sempre acreditar em dias melhores.

Muito irrequieto, corre faceiro espalhando alegria por toda a casa. Sempre que olha para um de nós, corre logo para os nossos braços. Já sabemos que quer dar uma volta de carro. Esse menino revitaliza e revigora a alma de qualquer ser humano. São dois Hortêncios presentes naquele cenário. Um brinca com o outro e ambos brincam com o tempo, num passar de bastão nessa corrida pela vida.

Fico, às vezes, pensando sobre os seres humanos que se acham poderosos, donos do mundo e da verdade, mas que da paz fazem guerra. Se essas pessoas, alguma vez na vida, por alguns minutos, contemplassem a face da velhice e percebessem que um dia poderão abraçá-la, certamente, mudariam seus atos e comportamentos. E assim, dariam outro rumo às suas vidas, contribuindo para um novo caminhar da humanidade.

Onaldo Queiroga.
Escritor e Juiz de Direito.

Monólogos do Meu Tempo.
Páginas 20, 21, 22 e 23.

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