um conto-uma crônica
O carro entrara no jardim pelo portão frontal. O dono estacionar-o na laterial da casa. Descera do veículo com a chave na mão e, imediatamente, entregara-a a Errol Lins, seu braço direito. Acostumara-se Alan com o bom desempenho de Errol nas atividades que para este selecionara, desde o pagamento dos seus compromissos bancários, da folha das obras e dos trabalhadores do eito à coordenação do grupo de criadagem das casas da cidade e da praia. Todos obedeciam-lhe e admiravam-no, apesar do pulso de ferro e das exigências feitas aos seus subordinados. Essa faceta paradoxal agradava a Alan mais ainda a extrema fidelidade que lhe devotava. Era pobre, mas inteligente e garboso. Frequentava, com muito sacrifício, a Faculdade de Direito, à noite.
Alan amava extremamente a sua mulher, Scarlet, a quem se dedicava acima dos seus negócios e dos seus filhos. Conhecera-a na juventude, na Universidade, sendo por ela escolhido dentre tantos pretendentes. É verdade que concorria igualmente em qualidades com os demais, suplantando-os, apenas, financeiramente. A decisão de Scarlet fora, contudo, por amor. Era tão meiga, tão dócil, tão inteligente! Formara-se ele em Administração e ela em Economia. Orientava-o nos negócios, sugerindo-lhe os melhores investimentos e aplicações. Iam muito bem no amor e nas finanças.
A expansão dos empreendimentos da empresa obrigara Alan a viajar mais vezes do que desejava,Detestava ficar longe da mulher, sentia a falta do seu aconchego, do seu corpo quente junto ao dele. No começo, foi uma verdadeira tortura enfrentar essas idas e vindas de avião por vários Estados. Depois, dominado pela rotina, desapercebera-se até de que só dormia em casa três vezes por semana. Não se afligia, pois confiara os seus familiares a Errol. Sabia que, sob a proteção dele, estavam bem seguros e assistidos. Os estudos do rapaz constituíam o único problema, mas, como não pretendia prejudicá-lo, solicitou ao seu irmão mais velho que substituísse Errol no turno noturno.
Passados oito meses, Scarlet começou a sentir n'alma um vazio amargurado. Sua vida não era mais alegre como dantes, As noites tornaram-se longas e o alvorecer do dia era aguardado com infinita ansiedade. Mergulhou no trabalho, nas cifras da contabilidade empresarial. Mas as noites! Quando pensava nelas, o coração doía-lhe com intensidade. Resolveu então programar as suas noites: teatros, exposições, feiras de negócio, cinemas, simpósios, cursos na sua área profissional. Acompanhavam-na a cunhada Eva e sua irmã Mafalda, escudadas por Errol.
Dois anos mais tarde, Alan estava totalmente integrado à nova vida. Amava a mulher, sem fazer mais dela a sua prioridade. Esta aceitara, com o tempo, as decisões do marido e buscava outras alternativas para preencher a sua existência. Alan passou as férias ao lado da mulher. Perscrutava-se sobre as mudanças que sofrera. Não era mais o mesmo, arrefeceram-se-lhe o desejo de voltar para casa, arrebatamento e a vontade de ficar ao lado de Scarlet. E ela, seria a mesma também? Achara-a calada, lacônica, sem muita coisa para conversar, a não ser dos negócios, quando então se expandia. Falaria com Errol para dar mais atenção à sua família. Sabia que com ele poderia contar.
Alan nunca esteve tão certo em suas conclusões. Errol sonhava em se formar, em se tornar independente. Sê-lo-ia se mantivesse o emprego. Por isso, fazia de tudo para servir a família do seu chefe, a quem tudo devia. Cuidou, então, dos filhos e da mulher de Alan como nem ele cuidaria. Como prêmio, por tanta dedicação, ao concluir o curso de Direito, foi informado de ter sido incluído no testamento do patrão. A condição para receber os bens, após a morte do testador, seria manter a dedicação e a fidelidade à famíllia deste. O pacto foi ratificado, pois cumprido já era desde o momento em que pisara naquela casa.
Alan reintegrou-se à sua vida agitava. Scarlet preencheu a sua solidão com muito lazer. Errol preparava-se para concurso público, sem descurar-se da promessa feita. Promessa que cumpriria pelo resto de sua vida. Ao voltar para o hotel, após um encontro com empresários, Alan morreu, juntamente com a amante, num desastre automobilístico. Seis meses depois, com o inteiro beneplácito dos herdeiros e da família, Errol se casou com Scarlet, passando da condição de herdeiro testamentário de Alan a herdeiro dos seus grandes negócios e da sua linda mulher.
Onélia Setúbal Rocha de Queiroga.
Escritora e Professora de Ciências Jurídicas
da Faculdade de Direito da UFPB.
Colunista do Caderno 2, página Cultura,
do jornal “ Correio da Paraíba”.
Histórias Orbícolas.
Páginas 20, 21, 22 e 23.
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