quarta-feira, 27 de abril de 2011

Onélia Queiroga - O Chapéu



um conto-uma crônica
O chapéu era de palha amarlinha. Chapéu muito comum na região. Raros os homens que não o possuíam. Até aí tudo bem com o chapéu de palha amarelinha, não fosse ter sido ele encontrado junto ao corpo da vítima.

O boato da morte do Sr. Antunes espalhara-se rapidamente. O morto era benquisto demais na cidadezinha do cariri, por sua conduta e vida exemplares. Daí a indagação dos habitantes da pacata urbe: - Quem o teria matado? Descobrir o dono do chapéu era o mesmo que encontrar o autor do misterioso crime. A solução não era, porém, tão simplista assim, pois quase todo mundo comprara um igual àquele.

Instaurado o inquérito policial, feitas as investigações, ouvidos todos os donos de chapéus idênticos, concluiu o delegado ser Protásio o cruel assassino. Nova controvérsia surgiu, quando os autos foram remetidos à justiça. - Perseguição ao pobre coitado, diziam uns. - Sei não, ele é sossegado, não é arruaceiro, nem ladrão, nem velhaco. Mas, de onde menos se espera é que sai uma coisa dessa, diziam outros. Protásio negava, de mãos postas e olhos lacrimejantes, a autoria do crime. A opinião pública dividia-se, chegando a maioria a ter pena do injustiçado, mero bode expiatório. Processo mais célere nunca ninguém tivera notícia na redondeza. Quem sabe, não teria sido um ricaço o bandido que eliminara o Sr. Antunes!

Chegara o dia do grande júri. A multidão comprimia-se no pequeno auditório e fora dele. O teatro dava início à cena do primeiro ato. Acusação e defesa recorreram à retórica, às provas dos autos, ao melodrama. O veredicto inspirou-se na incerteza da autoria, ante o fato de que chapéu igual outros o tinham. Absolvido! A multidão acompanhou o Sr. Potásio, são e salvo, à sua casa. Foi um dia de festa e regozijo.

Seis dias depois, expirado o prazo para recurso, chega o Sr. Potásio, placidamente, ao cartório e pergunta pelo juiz. O escrivão indaga o que ele deseja. O absolvido responde. - Diga-lhe que vim buscar o meu chapéu.

Onélia Setúbal Rocha de Queiroga.

Escritora e Professora de Ciências Jurídicas
da Faculdade de Direito da UFPB.
Colunista do Caderno 2, página Cultura,
do jornal “ Correio da Paraíba”.

Histórias Orbícolas.
Páginas 24, 25 e 26.

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