um conto - uma crônica
1 - O Lago e Nasciso
Quase todo mundo conhece a história original (grega) sobre Nasciso: um belo rapaz que, todos os dias, ia contemplar seu rosto num lago. Era tão fascinado por si mesmo que, certa manhã, quando procurava admirar-se mais de perto, caiu na água e terminou morrendo afogado. No lugar onde caiu, nasceu uma flor, que passamos a chamar de nasciso.
O escritor Oscar Wilde, porém, tem uma maneira diferente de terminar esta história.
Ele diz que, quando Nasciso morreu, vieram as Oréiades - deusas do bosque - e viram que a água doce do lago havia se transformado em lágrimas salgadas.
- Por que você chora? - perguntaram as Oréiades.
- Choro por Narciso.
- Ah, não nos espanta que você chore por Narciso - continuaram elas. - Afinal de contas, apenas de todas nós que sempre corremos atrás dele pelo bosque, você era o único que tinha a oportunidade de contemplar de perto sua beleza.
- Mas Narciso era belo? - quis saber o lago.
- Quem melhor do que você poderia saber? - responderam surpresas, as Oréiadas. - Afinal de contas, era em suas margens que ele se debruçava todos os dias.
O lago ficou algum tempo quieto. Por fim, disse:
- Eu choro por Narciso, mas jamais havia percebido que Narciso era belo..
" Choro por ele porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas margens, eu podia ver, no fundo dos seus olhos, a minha própria beleza refletida".
2 - O Jogral De Nossa Senhora
Conta uma lenda medieval que, com o Menino Jesus nos braços, Nossa Senhora resolveu descer a Terra e visitar um mosteiro.
Orgulhosos, todos os padres fizeram uma grande fila, e cada um postava-se diante da Virgem, procurando homenagear a mãe e o filho. Um declamou belos poemas, outro mostrou suas iluminuras para a bíblia, um terceiro disse o nome de todos os santos. E assim por diante, monge após monge mostrou seu talento e sua dedicação aos dois.
No último lugar da fila havia um padre, o mais humilde do convento, que nunca havia aprendido os sábios textos da época. Seus pais eram pessoas simples, que trabalhavam num velho circo das redondezas, e tudo que lhe haviam ensinado era atirar bolas para cima e fazer alguns malabarismos.
Quando chegou sua vez, os outros padres quiseram encerrar as homenagens, porque o antigo malabarista não tinha nada de importante para dizer, e podia desmoralizar a imagem do convento. Entretanto, no fundo do seu coração, também ele sentia uma imensa necessidade de dar alguma coisa de si para Jesus e a Virgem.
Envergonhado, sentindo o olhar reprovador dos seus irmãos, ele tirou algumas laranjas do bolso e começou a jogá-las para cima, fazendo malabarismo - que era a única coisa que sabia fazer.
Foi só neste instante que o Menino Jesus sorriu, e começou a bater palmas no colo de Nossa Senhora.E foi para esse que a Virgem estendeu os braços, deixando que segurasse um pouco a criança.
Paulo Coelho
Escritor e letrista.
Publicada no Jornal Correio da Paraíba.
Caderno Milenium.
domingo, 24 de abril de 2011
Paulo Coelho -Duas Histórias Sobre O Guerreiro Da Luz
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