sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Onélia Queiroga - O Sertanejo

um conto - uma crônica

O sertanejo é um homem sábio. A convivência com a natureza parece dar-lhe uma visão mais elástica do mundo e das coisas. E por que não dizer, também, da compreensão dos seres humanos, analisando-os, como ninguém. Desvendando-os, ainda, pelo comportamento, se é honesto ou não; se tem espírito de água ou se é confiável.

O sertanejo tem raciocínio rápido. Não se deixa hipnotizar pela conversa bonita dos homens de negócios. Basta um gesto, uma maneiro singular de o bazofiador expor a outrem a vantagem de adquirir determinada mercadoria e de vender o imóvel seu, para decifrar, antecipadamente, se estas transações devem ou não ser concretizadas.

Existe, ainda, nos dias de hoje, exemplar da espécie acima referida. Reside no alto sertão. Continua vinculado à vida campestre, ao convívio com a natureza e fauna da região; à alimentação farta plantada e colhida por suas mãos e as dos seus agregados. Ninguém igual a ele para decifrar a alma de sua gente.

Muitos o procuram, para aconselhamento. As questões apresentadas diferem em temas e profundidade. Com calma e paciência, ele ouve a todos, mesmo que a história contada seja longa e repleta de trilhas acidentadas ou se comporta maior reflexão, pela seriedade do problema pessoal ou familiar, a exigir uma resposta adequada, precisa e sincera.

O sertanejo verdadeiro é homem devoto. Crê em Deus Pai todo poderoso. E, por incrível que pareça, é justamente na fase de dor e de sofrimento que mais invoca o santo nome do Altíssimo. E, com tanta fé o faz que as suas súplicas são ouvidas.

Essa gente simples, boa acolhedora, quando se acha em alguma necessidade, recorre à promessa tão costumeira: a de andar de pés descalços e com coroa de espinhos na cabeça, durante a procissão da Festa da Padroeira, enfrentando, sem nada reclamar, o causticante sol, ao pingo do meio-dia.

Como sertanejo, não há. É homem de mesa farta, seja rico, seja pobre, a sua maior alegria é receber as pessoas com um agrado, começando pelo café quentinho, coado no pano com suporte de dois pauzinhos.

Essa é a autêntica dádiva, a que é entregue de todo coração.


Onélia Queiroga

Escritora e Professora de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da UFPB



Publicada no jornal Correio da Paraíba
Coluna: Aos Domingos
Caderno: Cultura/Lazer
Foto: www.mundodastribos.com

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