Elton Luiz Leite de Souza
Na abertura do belíssimo filme "Os girassóis da Rússia" , de Vittorio de Sica, a câmera mostra um imenso campo de girassóis aberto ao horizonte ( postarei nos comentários essa abertura ).
O campo de girassóis parece não ter contornos, pois no horizonte seu amarelo se une ao azul do céu onde brilha o sol para o qual se voltam os girassóis.
De repente, a câmera parece que vai se fechando, diminuindo sua amplitude.
Porém, se olharmos o que acontece de outra perspectiva , veremos que a câmera vai ampliando uma outra realidade que permanecia imperceptível enquanto olhávamos para o todo.
À medida em que a câmera vai diminuindo de amplitude extensiva, outra amplitude vai se mostrando aos nossos olhos: uma amplitude expressiva.
Agora, começamos a ver o que até então não víamos: percebemos a existência de um vento contrário que toca e agita a vida de alguns girassóis .
Enquanto olhávamos para o todo, não percebíamos que um mesmo acontecimento, o vento contrário , provoca reações diferentes em cada girassol distinto, conforme a maneira de ser de cada um: determinado girassol suporta a contrariedade do vento de forma firme, como um estoico; outro se curva e parece que vai se quebrar, triste.
Toda multiplicidade é heterogênea e composta de partes diferentes, como a “multitudo” de Espinosa.
Preenchendo a tela, agora essas partes vão ganhando vida, realçando o seu jeito , sua existência única.
Então, toda a tela é ocupada por três girassóis, em seguida dois ,até que a câmera nos mostra um girassol. Esse girassol único preenche toda a tela, antes preenchida pelo todo.
Uma singularidade pode também preencher e preencher-nos, mas de maneira intensiva, expressiva.
.Pois a realidade que agora vemos realça cores, texturas, sutilezas, molecularidades... Saímos da realidade extensiva do espaço e entramos na realidade expressiva do afeto.
Enquanto víamos apenas as amplidões do espaço, não percebíamos a realidade expressiva que cada ser único é.
Na linguagem do cinema, quando colocamos algo em primeiro plano , não importa o que seja, esse ser assim ampliado expressivamente torna-se um rosto , isto é, uma realidade material na qual uma alma , como uma artesã, esculpe o que pensa e sente.
Um rosto “desabre”, como diz Manoel de Barros, o que por dentro sentimos e pensamos.
Preenchendo a tela, o rosto do girassol mira o nosso , e nele vemos dramas, desejos e afetos, como um espelho dos nossos dramas, desejos e afetos .
Embora não possua cérebro e nervos, um girassol é um ser vivo : ele também pensa e sente.
E seu rosto talvez queira nos dizer que ante os ventos ameaçadores e sombrios da história não devemos nos curvar, e sim perseverar, com todas as forças, voltados para a luz do sol.
“As intensidades do girassol são forças do tempo?”
(Cláudio Ulpiano)
“Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.”
“Nas fendas do insignificante ele procura grãos de sol.”
(Manoel de Barros)
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