um conto-uma crônica
O animal da raça pequinês era alegre e feliz, principalmente quando chegavam as pessoas do lar em que vivia.Esperava-os no horário de cada um, sempre com muita festa, manifestada por trejeitos corporais e balanço elétrico da pequena cauda.Vigiava a casa com cuidado. Ao sentir a aproximação de pessoa estranha, fazia barulho infernal, como forma de espantar o invasor. Por isso, ficara conhecido como um cachorro bom de guarda. Embora fosse pequeno e frágil, coragem não lhe faltava.
Adaptara-se aos costumes dos donos, com os afagos que recebia de todos. O pêlo flocado, cheiroso e o lacinho azul posto entre as orelhas revelavam os bons tratos que lhe eram dispensados. Ficava uma gracinha assim ornado. A vizinhança inteira elogiava-o e aos donos, por seu aspecto de figurino semelhante aos divulgados em revistas.
O que mais o caracterizava, todavia, era o hábito de dormir, após o almoço, debaixo do carro de Clara. A garota adorava-o e ficava enternecida com aquela preferência dada ao seu veículo, quando outro havia na família. Nessas horas, Krk ficava uma gracinha: pela posição das pernas para o ar, pelos suspiros e gemidos prazerosos que deixava escapar. Tudo isso acabou, quando Clara resolveu vender o carro, para comprar o apartamento. Desse dia em diante, Kirk ficou arisco e rebelde. Não aceitava carinho. Latia em súplica, quase a chorar. Ninguém compreendia a mudança. A mãe de Clara tentou minorar a situação, levando-o para dormir, sob o carro dela.
Nesse instante, a charada foi solicionada. O cachorro desprendeu-se dos seus braços, latindo forte e, com as narinas borrifando fogo, correu para o lugar onde o carro de Clara era guardado. Equilibrado em duas patas, com a outras duas livres gesticulava e, a seguir, deitava-se no lugar preferido. A cena repetiu-se muitas vezes.
A mãe de Clara, com lágrimas nos olhos, levou-o ao veterinário. Diagnóstico: depressão de cachorro, por o terem privado do que tanto gostava: da soneca sob o carro da garota. Kirk está em tratamento, até adaptar-se ao sono sob o carro dos pais de Clara.
Onélia Setúbal Rocha de Queiroga.
Escritora e Professora de Ciências Jurídicas
da Faculdade de Direito da UFPB.
Colunista do Caderno 2, página Cultura,
do jornal “ Correio da Paraíba”.
Histórias Orbícolas.
Páginas 273, 274 e 275.
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