terça-feira, 22 de março de 2011

Carlos Pereira - Emulsão De Scott e Óleo De Rícino







um conto - uma crônica

Nos meus tempos de menino havia dois remédios que me davam medo e só a ameaça de tomá-los já significava um sacrifício. Aliás, eram os dois muito conhecidos de quantos viveram as décadas de 30 até 60, pois sua utilização se dava principalmente por gente que nem sempre podia consultar um médico ou ir à farmácia comprar um remédio mais caro. Até porque, também, havia poucas farmácias na cidade e o dinheiro era curto para todo mundo.

Um deles era a temível Emulsão de Scott - um líquido meio viscoso, esbranquiçado, feito um leite grosso, dentro de um frasco azul claro (nunca esquecerei!), cujo rótulo exibia um pobre homem cansado de levar às costas um enorme bacalhau. A Emulsão do Seu Scott, feita à base de óleo de fígado de bacalhau, servia pra quase tudo - dor de barriga, mal estar, tonteira e até para fortificar o organismo dos subnutridos. Levava a vantagem de ser bem barato, mas tinha um gosto tão ruim, que ainda hoje não consegui esquecê-lo , embora não saiba como o definir. Muito tempo depois de tê-la tomado todas ás vezes a que fui obrigado, já adulto, vim a saber que a emulsão de Scott tinha nova embalagem (ainda no frasco azul) e com vários sabores entre os quais cereja, laranja e framboesa, certamente para iludir os incautos.

O outro remédio que me fazia correr léguas dele era o temido e odiado óleo de rícino. Já ouviram falar de purgante?Pois esse era o pior purgante que um cristão poderia conceber. Nem recordo a sua cor, até porque quando eu, oprimido, quase chorando de medo e de raiva e de olhos fechados, abrindo a boca somente o suficiente para que me empurrassem aquela mistura horrorosa que já conseguia seus efeitos até por uma condição psicológica: o pobre paciente começava a se borrar antes mesmo que o rícino começasse a atuar nos seus intestinos. E era, então, uma diarréia histórica, daquelas que a gente pensa que vai perder até o tubo terminal do aparelho digestivo.

Tomei o purgante algumas vezes e o castigo me foi imposto por justiça. Bem que eu não devia ter misturado duas mangas espadas, um pedaço de jaca mole, uma dúzia de castanhas assadas e, para complicar mais, uma fatia de pé-de-moleque quente, recém saído do forno. Imaginem como o estômago ficou - duro, parecia um bombo, a dor aumentando e não saía nada. O jeito foi recorrer, inapelavelmente, ao óleo de rícino que, bem elaborado e enfiado à força, logo operou os seus efeitos que, diga-se de passagem, devastadores.

E hoje, quando me lembro desses acontecidos, faço duas ressalvas. Em primeiro lugar, a emulsão de Scott certamente ajudou em alguma coisa o meu desenvolvimento. E em segundo lugar, se o óleo de rícino era muito ruim, pior era o que minha mãe me prometia, quando eu não queria engolir aquela porção horrorosa. Ela ameaçava, alto e bom som, para quem quisesse ouvir:

- Toma logo menino, senão vou te dar um clister e aí eu quero ver se tu não bota essa porcaria toda pra fora...
Carlos Pereira
Jornalista, escritor, engenheiro e
professor universitário
Publicada no jornal A União

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