segunda-feira, 21 de março de 2011

Carlos Pereira - A Lapinha De Jaguaribe



um conto - uma crônica
Nestes tempos de festas de fim de ano, vale a pena relembrar o que acontecia neste período, aí pelas décadas 50 e 60 do século passado, no meu querido Jaguaribe.

A avenida Conceição era a preferida de todos quantos moravam no bairro e para lá se dirigia, em tempo de festa, gente vinda do centro, de Tambiá. do Roggers e até os que tinham a primazia de veranear em Tambaú. Isso porque era na Conceição que se concentravam os festejos populares de Jaguaribe, exceção é claro da Festa do Rosário que, na primeira quinzena de outubro ocupava o pátio da feira, quase em frente à Igreja.


Nos primeiros dias de dezembro, os moradores da avenida começavam a recolher as contribuições de que participavam, também, os que tinham casa na Floriano Peixoto, Vasco da Gama, 12 de outubro, Benjamin Constant, Capitão José Pessoa, Vera Cruz e até quem - como eu - morava na rua da Concórdia, então já denominada de Senador João Lyra - como até hoje.

Parte do dinheiro arrecadado servia para montar a infra-estrutura da festa: Um pavilhão era levantado em colunas de madeira de lei, qualidade também exigida para as terças, caibros e ripas do telhado. O piso era de madeira lavrada, bem plana e polida de modo a permitir danças e evoluções sem sustos. A coberta exigia palhas bem trançadas, a fim de evitar goteiras pois as chuvas de verão, em quase todos os anos, teimavam em cair, talvez para justificar o que minha avó dizia - elas tardam, mas não faltam.

A avenida era enfeitada em toda a sua extensão, deste a Vera Cruz até a Praça dos Motoristas: as bandeirolas, balançando em cordas esticadas, tinham cores variadas em que predominavam o azul, o vermelho e o verde. Aliás, a cor vermelha, à época era mais conhecida como "encarnado", nome do festejado cordão que, juntamente com o azul, compunha animada lapinha, manifestação cultural de fundo religioso que enchia de gente o pavilhão e prendia as atenções de quantos frequentavam a festa.

As meninas da lapinha, chamadas de pastorinhas, eram escolhidas na fina flor do bairro e se preparavam com afinco porque da antevéspera de Natal até o dia 6 de janeiro, tradicional dia de Reis, a festa era delas. Mocinhas, simpáticas e desenvoltas, elas se vestiam a caráter e não raro ouviam suspiros apaixonados de jovens adolescentes mais românticos. Os galanteios eram dirigidos, de forma educada, ao anjo, à mestra, à contra-mestra, à borboleta e, em especial, à Diana - a mais cortejada.

"Senhores e senhoras queiram desculpar, que esta jornada não acaba já", cantavam em coro as alegres senhorinhas que, em trajes típicos confeccionados em tafetá, seda e papel celofane, se espalhavam no salão em belas coreografias que faziam a alegria da moçada.

Nos intervalos das danças aconteciam as quermesses: aí é que jovens mais endinheirados (geralmente vindos de fora do bairro) arrematavam, por preços bem salgados, as ofertas da noite que podiam ser um pombo rechado, uma galinha frita ou até um vistoso peru assado, cujo valor em dinheiro superava o apurado de uma semana da venda do meu pai.

No dia de Reis, última noite do pastoril, era escolhida, por eleição, a rainha da festa e terminava a disputa entre o cordão azul e o encarnado. Eu ( nem sei bem porque) sempre torci pelo cordão encarnado que aliás, dificilmente ganhava.

Recordo que num dos últimos anos a que assisti a lapinha de Jaguaribe, ainda adolescente, gastei alguns suados cruzeiros (moeda da época) na eleição de uma gentil senhorita, candidata à rainha da festa, cujo nome mantenho em segredo até hoje.

Se ela foi eleita não consigo lembrar, mas de uma coisa tenho certeza: a minha preferida nunca soube o quanto eu torci pela sua vitória. E é para ela, e para todos os leitores desta crônica, que formulo os mais escolhidos votos de Feliz Natal!

Carlos Pereira
Jornalista, escritor, engenheiro e
professor universitário

Publicada no jornal O Norte.


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