segunda-feira, 21 de março de 2011

Carlos Pereira - O Tempo Da Saudade

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um conto-uma crônica


Algumas passagens da minha vida na fase infância/adolescência me remetem à Igreja do Rosário. A primeira missa a que assisti, as missas que ajudei a rezar, minha primeira comunhão, a primeira namorada - tudo aconteceu naquela que, era ( e ainda é) o templo religioso por excelência do meu bairro, Jaguaribe. Única igreja católica e, talvez por isso, frequentada por todos - de meninos a velho, passando por jovens, adolescentes, adultos e até adúlteros, quem sabe?


Assisti, menido bem pequeno, ao levantar daquela estrutura monumental que, embora em escala bem menor, lembra grandes igrejas como a de Toledo, na Espanha - por exemplo, talvez no partido arquitetônico do seu interior, mercê daquelas portentosas colunas no estilo grego-romano, revestidas do melhor mármore italiano. Chamou minha atenção , em especial, o imenso trabalho que os frades tiveram , nos meados dos anos 40, para içar os enormes sinos que trouxeram da Alemanha e colocá-los no campanário da Igreja a mais de 30 metros de altura. Foi uma tarefa tão complexa que nem os paroquianos crentes em Deus e na Igreja, acreditavam no sucesso da empreitada.

Essas lembranças voltaram à minha memória quando resolvi dar, numa volta ao passado, um toque de nostalgia à manhã de um dia qualquer desta semana. Impulsionado por desejo não programado, ao atravessar os umbrais da majestosa construção, me reencontrei por inteiro com aquele histórico recanto que marcou tanto boa parte da minha vida. Ao ouvir o assovio do vento que entrava pela janela cujo vitral colorido parecia pedaço da Notre-Dame de Paris e o repetitivo canto do bem-te-vi que, livre, voava sobre minha cabeça, ajoelhei-me diante do altar e me arrepiei tocado pela emoção de voltar a rezar sem dizer palavra, orando para dentro de mim.

E naquele momento, no belo púlpito com inscrição em latim em louvor de São Paulo, parecia estar presente a figura enorme de Frei Jorge, com o vozeirão que Deus lhe deu, a explicar o Evangelho de São Lucas para os meninos da Cruzada, espalhados na missa das sete do domingo naqueles bancos de madeira de lei que ainda hoje estão ali, firmes e bem cuidados.

Voltei ao tempo de calças curtas, pernas grossas e sem pelos, a esperar o momento da Comunhão, num instante sublime em que eu nunca sabia ao certo o que pensar. Acho até que quando pensava, o momento já tinha passado.

Levantei-me, percorri toda a Igreja - inteiramente vazia naquela manhã - , deixei passar a tristeza por não ser mais a criança que um dia tinha incorporado aquele templo à sua vida e olhei de lado para ver novamente aqueles vitrais magnificos, de cores vivas, cada vez mais realçadas pela luz do sol da manhã e me senti feliz de poder estar ali novamente naquela sagrada casa de oração que foi, durante muito tempo, o apanágio da minha infância.

Antes de sair me contive na admiração renovada daquela belíssima escada de madeira trabalhada que dá acesso ao Coro. Nesse instante entrou pelo meus ouvidos a melodia de "Jesus, alegria dos homens", cantada pelos jovens da Congregação Mariana na missa de entrada no ano santo de 1950, eu coroinha, de paramento branco, sabendo de cor toda a missa em latim.

Como continua bela, silenciosa e misteriosa a minha Igreja do Rosário.
Carlos Pereira
Jornalista, escritor, engenheiro e
professor universitário

Publicada no jornal O Norte.



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