um conto-uma crônica
A cada emissora de rádio que sintonizamos; a cada página de jornal que abrimos; a cada noticiário de televisão a que assistimos emerge o galope veloz, indomável e atroz da corrupção, da iniquidade e da violência. A corrupção estampada nas notícias provoca enjôo, desencanto; a violência molha de sangue as mãos de qualquer ouvinte, leitor e telespectador.
No coração, o pulsar do medo, que - dominador, feroz e insolente - deixa intranquilo o povo. É que, de manhã, não mais acordamos com o canto dos pássaros. Há sempre uma investida na madrugada que silencia um inocente e espalha rajadas de impunidde pelos céus do mundo.
Tomamos café e saímos de casa sem saber se mais tarde retornaremos. De ônibus, táxi ou veículo próprio, enfrentamos um trânsito insano, que certamente teremos que vencer, até chegar ao nosso destino.
Ao meio-dia, com a temperatura bem mais elevada, ouvimos gritos e lamentos de vítimas indefesas de assaltos em bancos, carros-fortes, restaurantes, agências dos correios. Desesperos diários que assinam ponto e apavoram comunidades.
A tarde já se despede e, a este ponto, vem a hora de nosso desejado retorno a casa. Novamente, o trânsito dos neuróticos, dos enfurecidos e dos sinais congestionados. Mas volta a ser também a hora dos temidos sequestros-relâmpagos, dos cavaleiros encapuzados (os modernos motopistoleiros) que, de capacete, executam impiedosamente suas vítimas, segredando a quem vai morrer suas identidades e mandantes.
A noite, com sua lua e estrelas - ou, agora, com chuvas, trovões e relâmpagos -, sempre guarda o mistério daquilo que fica por trás do silêncio da eterna escuridão. A hora noturna cala os sabiás, os curiós, as graúnas nas copas das árvores. Mas se levanta a ave de rapina, que, com seu vôo ardiloso e nefasto, transmite ao sono dos inocentes a incerteza de um incólume amanhecer com o sol do novo dia.
Vivemos em um tempo já profetizado por William B. Yeats? Sim, um tempo em que, "voando cada vez mais longe, o falcão não ouve mais seu falcoeiro. Tudo se desmancha no ar. O centro não segura a imensa anarquia solta sobre o mundo. Terrível maré de sangue invade tudo e as cerimônias da inocência são afogadas. Os homens melhores não têm convicção; e os piores estão tomados pela intensa paixão do mal".
O que fazer? Como viver em paz e com o sentimento do amor? Só nos resta suplicar:
Dorme, mundo! Dorme, mundo velho!
Deita-te nos braços de uma escura eternidade: o ódio, a inveja, a prepotência, a iniquidade, a mentira, a ingratidão e a traição.
Dorme, mundo! Dorme, mundo velho!
Deita-te nos confins das galés: a insanidade, a ganância, a insaciabilidade, o cinismo e descaramento dos poderosos.
Dorme, mundo! Dorme, terra ancestral!
Deita-te nos braços de uma noite escura: a guerra, seus inventores loucos, suas estratégias, armas, medalhas e sangue dos inocentes.
Dorme, mundo! Dorme,terra ancestral!
Deita-te nos confins do tempo: a fera que insiste em lançar intensa e nefasta poeira do mal sobre a Terra e sobre nós, pobres mortais.
Onaldo Queiroga.
Escritor e Juiz de Direito.
Esquina da Vida
Capítulo I - O Mundo sem Porteira
Tudo tem seu apogeu e seu declínio...
Páginas 41 e 42.
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