um conto-uma crônica
Em qualquer ambiente, a sonorização domina. Impera nas efemérides, ajuda a voz dos profissionais, ao disfarçar a pequenez de sua garganta. Apesar disso, não consegue mostrar-se infalível em todos os eventos.
O orador exaltado assiste, impotente, à sua fuga, durante o discurso. Frustra o recurso tecnológico a oração adrede preparada, para desgosto do tribuno e desencanto dos ouvintes.
O sábio palestrante, na circunspecção de sua ciência, esforça-se para transmitir aos doutores das leis a sua sapiência, maior do que a deles.Porém, fica inerte ante o sarcástico riso da sonorização que se faz silente, impedindo a captação da mensagem pela impaciente e fatigada assistência.
Os concluintes interromperam a valsa de Strauss, no imenso salão de festa, quais estátuas em gestos paralisados e traçados em bronze pelo pincel do escultor. Flash musical em pause, emudece o som, em face da injustificável pane da sonorização.
Bodas de casamento e datas natalícias são marcos na vida da humanidade. Tais fatos são planejados com todos os cuidados. Mas, também nesses momentos, os inventos modernos desligam-se dos cabos transmissores dos sons.
Uma dessas celebrações começara muito bem. O tecladista executava os cânticos e hinos sacros, enternecendo os corações. Em pouco tempo, a sonorização dá sinal de sucumbência: apita fino, grita em zumbido ensurdecedor, magoando os tímpanos e emoções dos fiéis. Logo depois, é reintegrada à energia, e regulariza-se.
O tecladista volta ao seu mister, sorridente. Todos o imitam, com fé e amor. Eis que surge nova e intransponível barreira: o padre. Senhor da cena, dispensa a tecnologia, por achar que dela pode prescindir. Para ele, essencial aos cânticos é somente a sua grossa e altíssima voz; a liturgia era a sua própria, improvisada, não a previamente impressa para a ocasião.
Nesse novo ritual, desenhado pelo reverendo, os fiéis e organista tropegamente caminham, sem se deixarem cair. Afinal, acima de tudo, estavam a efeméride e a felicidade do aniversariante de 80 anos e da sua família, sob as bênçãos de Pai.Amém.
Onélia Setúbal Rocha de Queiroga.
Escritora e Professora de Ciências Jurídicas
da Faculdade de Direito da UFPB.
Colunista do Caderno 2, página Cultura,
do jornal “ Correio da Paraíba”.
Histórias Orbícolas.
Páginas 30, 31 e 32.
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