Passava da primeira hora da tarde. Antes de cruzar o sinal, um pequeno caminhante rouba-me a visão. Automaticamente viro os olhos na sua direção levado, talvez, pelas características físicas e figurino pouco habitual para aquela pouca idade. Cabelos longos ao vento sob um chapéu de couro, daqueles de cangaceiro.
De súbito, o cérebro me oferece duas opções: contemplar de longe e carregar apenas aquela imagem inusitada no meio do frisson da vida corrida ou ousar, tanto quanto o personagem às minhas vistas, e saber mais sobre aqueles passinhos curtos no acostamento.
Manobro na pista contrária e me aposso da entrada da garagem de uma das casas da proximidade na sombra de um pé de castanhola. Deixo o carro no meio da calçada e espero a sua passagem. Minhas companhias dentro do veiculo não entendem bem a repentina parada e me olham um tanto quanto contrariadas e curiosas.
Baixo os vidros. De longe, lá vem ele. Uma passada de menino. Um jeito de homem. Uma fisionomia infantil. Um olhar de maturidade. Fito-o como um velho conhecido, mas guardando certo temor da imediata rejeição ou receio da abordagem. Afinal, era um desconhecido parado no meio do nada encarando uma criança.
Mantenho o alvo dos olhos na sua direção. Ele devolve e faz um pequeno gesto de reciprocidade. Pronto, era abertura que eu precisava. Retribuo o aceno e o chamo, meio sem jeito, meio firme, meio tenso, eis que em segundo surge bem perto da minha janela um tanto quanto atarantado e curioso.
Diálogo de desconhecidos
Tudo bem com você, pergunto-lhe para início de conversa e ouço uma resposta afirmativa tímida. Insisto na improvisada entrevista inquirindo seu nome. "Ryan", responde o garoto de dez anos. Nas mãos percebo uma lata de leite, sem a embalagem publicitária. Uma espécie de depósito.
Mesmo suspeitando da serventia, questiono. "É para guardar as moedas que eu estou pedindo ali no sinal com meus irmãos. Vou juntar e dar para minha mãe comprar minha roupa de Natal", explica o menino, sem pedir mais uma contribuição para inteirar sua empreitada debaixo do escaldante sol do Bessa, a queimar sua pele branca.
Pra quebrar o gelo, digo que gostei do seu chapéu diferente e indago sobre a sua origem. Ele me diz que achou no lixo. Ryan, aos dez anos, trabalha com reciclagem, onde junta mais outras moedas para ajudar em casa. Apesar de ter achado em condições miseráveis, o adereço de vaqueiro estava em ótimo estado de conservação.
Na cabeça de Ryan, o chapéu encaixou direitinho. Não só no tamanho. Combinou com a expressão forte de suas faces tão juvenis, porém já tão precocemente marcadas pela vida dura, pelo dias desertos na solidão dos cruzamentos. Ele gosta do elogio e ajeita o chapéu.
continua...
continua...
Heron Cid
Jornalista e Repórter Político da Rede Correio SAT de Rádio,do programa Correio Debate e da Rádio CBN João Pessoa.
Publicado no jornal Correio da Paraíba
Caderno Política
Edição de 25/12/2012
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