Conta uma lenda tradicional que, no momento em que o Filho de Deus expirou na cruz, foi diretamente ao inferno salvar os pecadores.
O diabo ficou muito triste.
-Não tenho mais função neste universo - disse Satanás.
-A partir de agora, todos aqueles que eram marginais, que transgrediram os preceitos, cometeram adultérios, infringiram as leis religiosas, todos estes serão enviados diretamente ao Paraíso!
Jesus olhou para ele e sorriu:
-Não se lamente - disse para o pobre diabo.
-Virão para cá todos aqueles que, por se julgarem cheios de virtudes, vivem condenando os que não seguem minha palavra.Espere algumas centenas de anos, e verás que o inferno estará mais cheio do que antes!
2 - O mosteiro pode acabar
O mosteiro atravessava tempos difíceis: por causa da nova moda, que afirmava que Deus era apenas superstição, os jovens já não queriam mais ser noviços. Uns foram estudar sociologia, outros passaram a ler tratados de materialismo histórico, mas - pouco a pouco - a pequena comunidade que restou foi se dando conta que seria necessário fechar o convento.
Os antigos monges foram morrendo. Quando o último deles estava pronto para entregar sua alma ao Senhor, chamou ao seu leito de morte um dos poucos noviços que restavam.
-Tive uma revelação - disse. - Este mosteiro foi escolhido para algo muito importante.
- Que pena - respondeu o noviço. -Porque só restam cinco rapazes, e não podemos dar conta de todas as tarefas, quanto mais de uma coisa importante.
- É uma pena mesmo. Porque, aqui no meu leito de morte, um anjo apareceu, e eu entendi que um de vocês cinco estava destinado a tornar-se um santo.
Disse isto, e expirou.
Durante o enterro, os rapazes olhavam-se entre si, espantados. Quem teria sido o escolhido: aquele que mais ajudava os habitantes da aldeia? O que costumava rezar com uma devoção especial? Ou o que pregava com tal entusiasmo que os outros se sentiam à beira das lágrimas?
Compenetrados pela presença de um santo entre eles, os noviços resolveram adiar um pouco a extinção do convento, e passaram a trabalhar duro, pregar com entusiasmo, reformar as paredes caídas, praticar a caridade e o amor.
Certo dia, um rapaz apareceu na porta do convento: estava impressionado com o trabalho dos cinco rapazes, e queria ajudá-los. Não demorou uma semana, outro jovem fez o mesmo. Aos poucos, o exemplo dos noviços correu a região.
- Os olhos deles brilham - dizia um filho ao seu pai, pedindo para entrar para o mosteiro.
-Eles fazem as coisas com amor - comentava um pai com seu filho - Vê como o mosteiro está mais belo do que nunca?
Dez anos depois, já havia mais oitenta noviços.
Nunca se souber se o comentário do velho monge era verdadeiro, ou se ele tinha encontrado uma fórmula para fazer com que o entusiasmo devolvesse ao mosteiro a sua dignidade perdida.
Paulo Coelho é escrito e letrista
Publicada no jornal Correio da Paraíba
Edição de 13/10/2013
Milenium
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