segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Rubens Nóbrega - Brinquedos e brincadeiras


um conto - uma crônica




Ila, minha caçula, veio me mostrar ontem um "dodói". A ponta do seu polegar direito estava levemente inchada e avermelhada. E muito dolorida, segundo ela.

- Foi marimbondo, foi? perguntei, causando-lhe imediata expressão de incredulidade diante da minha pergunta que, pelo visto, não fazia o menor sentido.

- Painho tá ficando doido, é? Foi do joistique de Paulinha. Passamos a tarde jogando vídeo-game na casa de Paulinha - explicou.

Na explicação dela me dei conta de uma coisa; Nascida e criada em João Pessoa, aos 12 aninhos a minha pequena já deve ter visto alguma vez ou pelo menos ouvido falar em marimbondo, mas nunca levou ferroada de um.

Eita! Se ela nunca sofreu ferroada de um bicho assim, muito menos assanhou caixa de marimbondo e saiu numa carreira danada para lá na frente sentir a alegria de ter desafiado e vencido tamanho perigo.

Ila só, não. Meus dois mais velhos, Danuta e Túlio, também nascidos e criados na Capital há mais de vinte anos, conheceram bichinhos voando ou piscando mais em telas de vídeo-game do que no espaço aberto da natureza livre.

Vagalume, por exemplo. Meu Deus, como é que meus filhos jamais prenderam vagalumes num pote de vidro branco transparente que na infância a gente transformava em lanterna mágica nas brincadeiras de escuro?

Danuta e Ila certamente não cantaram "cai, cai, tanajura/ cai, cai, tanajura/aqui na minha mão..." nem comeram gordura de tanajura, que diziam ser muito boa para curar dor de garganta.

Vai ver as minhas meninas talvez tenham brincado muito pouco ou nenhuma vez de academia, de amarelinha.

Não devem saber como é riscar o chão com giz ou telha, lançar e ir pegar o caquinho ou a pataca em cada um e em todos os quadros, pulando num pé só, sem deixar o outro tocar o chão. Até alcançar o círculo desenhado na ponta, até chegar ao céu.

E carrapeta? Será que elas brincaram? Será que ja sentaram em círculo com as amigas para jogar pedrinhas pro alto e apará-las com uma mão. Uma pedrinha: joga, pega e larga. Duas: joga, pega e larga... Até jogar e pegar todas as sete e no final fazer o vira.

No vira, todas são arremessadas para o alto com as duas mãos em concha e aparadas com o dorso das mãos, juntas. Se deixar cair umazinha, uma que for, perde.

Tulhinho, por sua vez, muito provavelmente jogou bola de gude, se jogou, no chão cimentado dos pátios de prédios por onde morou quando criança menor.

Não sabe o que é jogar bola de gude no chão de terra, em três buracos cavados e dispostos em linha reta ou formando triângulo, com um buraco em cada vértice, cada um de tamanho diferente.

Quem jogou sabe que o bom é jogar em terra batida úmida, bem compactada, sem relevo nem pedrinhas, que é para a bola de bater nas outras correr macia, sem desvios, batendo certo nas boas que a gente precisa botar e tirar de cada buraco.

De outra, não lembro Tulhinho me reclamando de falangeta intumescida porque usou rolimã em vez do gude, como eu por vezes usava nos quintais das casas onde morei em Bananeiras.

Não lembro meu filho pedindo para amolar a ponta do ferrinho de enfinca. Será que cercou o adversário direito como eu cercava lá em Bananeiras, fechando as saídas com os riscos em linha reta que sulcavam o terreno da bodega de Biu, no Paravéi?

Ele também não me pediu linha para a fieira do seu pião ou seu papagaio, que não ajudei a montar, que devo ter comprado pronto para soltar na praia. Coisa mais sem graça...

Falando em rolimã, é possível que ele tenha pilotado ou tentado pilotar um skate, mas não lhe proporcionei descer e subir de patinete uma calçada enladeirada.

Do mesmo modo, não lhe comprei nem tentei fazer com ele um caminhãozinho de madeira. Nem que fosse igual ao que fiz e esmaguei com uma pedra depois, com raiva, por ter ficado muito parecido com o caminhão que apanhava lixo na rua.

Não achava parecido ate ouvir outros meninos me chamando de João Certeza, que era como se chamava o motorista do caminhão do lixo.

Meus filhos talvez também não saíbam o que é uma baladeira. É possível que confundam como mocinha que gosta de cair na balada, à noite. De imediato, duvido que saibam que estou me referindo a um estilingue.

Não caçaram de baladeira. Com certeza não. Não acertaram passarinho nem cabeça de lagartixa, como todo menino lá de nós tentou, de ruim, mas felizmente não acertou, como não acertei , porque a pontaria era pior ainda.

Boto tudo isso no talvez não por desconhecer vida e passagens dos filhos, mas porque preciso me dar o benefício da dúvida quando no tribunal da minha consciência vierem a julgamento as minhas falhas de pai.

Uma das maiores, vejo agora, foi a de não tê-los levado mais ao interior, de não ter pelo menos alternado praia e shopping com visitas mais demoradas ao Brejo e aos sertões de suas ascendências maternas.

Não os coloquei em contato com outras crianças como eles, mas criadas no interior, onde a vida pode até ter menos conforto, mas seguramente é mais genuína, mais saudável e mais divertida, porque lá a inocência se demora mais na infância.

Fico triste de verdade quando me dou conta de faltas assim e mais ainda por não haver mecanismo de regressão ou túnel do tempo que me leve ao outro lado, o lado onde fui mais feliz, para lá reviver com eles o melhor do que eu pude ser e ter um dia.

Rubens Nóbrega
Jornalista

Publicada no Jornal Correio da Paraíba.

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