quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Onaldo Queiroga - Dois Mundos Num Só Instante



um conto-uma crônica

A vida, minuto a minuto, nos coloca frente a frente com situações que demonstram o nosso pouco conhecimento sobre a razão divina de nossa existência. Por isso, continuamente devemos aprender a ter consciência de que a vida na verdade é uma intensa e eterna escola. Muitas vezes, encontramos pessoas que, apesar de não serem formadas em cursos superiores, são formadas na escola da vida. 

A vida nos coloca, num só instante, mundos completamente diversos. De um lado, o luxo, a fartura, o esbanjamento; de outro, o sofrimento, a dor, a preocupação, a doença e a ausência de meios para, pelo menos, minorar um quadro tão desolador. 

Voávamos em direção a Brasília, com escala em Recife. O avião, por algum tempo, ficou estacionado no pátio do Aeroporto dos Guararapes. Alguns passageiros desceram; outros chegavam para se acomodar na aeronave. Nesse interregno, entra no avião uma senhora bem vestida, com aparência de pessoa abastada. Toma assento em fileira de poltronas à frente do local onde estávamos. No mesmo instante, também entra na aeronave um cidadão vestido modestamente, de rosto sofrido e com ar de preocupação, e toma assento em poltrona situada atrás do nosso. 

Continuávamos à espera dos procedimentos de decolagem, quando, em um dado momento, a senhora aciona o seu celular e começa um diálogo com uma secretária ou uma governanta. Usava palavras rebuscadas, falando para que todos pudessem ouvir o seu diálogo. E passou a indagar a sua secretária sobre a confirmação de uma viagem de negócios que faria logo mais à Espanha. Em seguida, após procurar saber sobre o seu cãozinho de estimação, perguntou se a sua reserva para os festejos natalinos em Paris já estava confirmada. 

No mesmo momento, percebemos que aquele senho humilde, de aparência rude, também passara a usar o celular. Sua conversa, em tom alto, buscava informações sobre um filho acometido de uma doença grava que se encontrava interno no hospital Sara Kubitschek. No diálogo, mencionava a dificuldade financeira que o impossibilitava de arcar com tratamento mais eficaz à saúde do seu ente querido. Sua voz trazia incerteza, tristeza, desespero. Todavia, carregava um tibre recheado de fé. As pessoas mais próximas ouviram e presenciaram esses mundos tão distintos. Certamente ficaram, como nós, perplexas por alguns instantes. 

O avião decolou, em meio às nuvens, sob um sol pleno e que aos poucos caminhou em busca do ocidente. A noite chegou com um céu estrelado e de lua clara. Aterrissamos em Brasília. Ali desceram aquela mulher de aparência faustosa e aquele homem habitante de um mundo repleto de dor. 

Mas, na vida muitas vezes amanhecemos com o sofrimento e anoitecemos com a alegria. Já ouvi alguém dizer: "O que é bom passa, mas o que é ruim também passa". O importante é a fé, que remove montanhas. 
Onaldo Queiroga. 
Escritor e Juiz de Direito. 

Esquinas da Vida 
Capítulo II - O Homem e as Esquinas 
Passa o tempo e a história nos mostra que apenas mudam os 
personagens, também flagelados. 
Páginas 55 e 56.

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