domingo, 14 de agosto de 2016

Rubens Nóbrega - Acumulada




um conto - uma crônica

Firmino, 28 anos, era um sujeito correto, trabalhador. Arrimo de família, além de tudo. Matava-se na lida para sustentar mãe viúva e dois menores, ainda adolescentes, que davam um trabalho que só vendo.

Quando ainda não tinha emprego formal, trabalhava de flanelinha na feira da Torre, vida que tentou trocar pela caserna, quando atingiu os 18 anos. Ser soldado do Grupamento de Engenharia ou do 15 Regimento de Infantaria do Exército era tudo o que queria.

O sonho terminou no exame médico. Firmino puxava de uma perna, mais curta que a outra. No 15, onde se apresentou, a vista ligeira do oficial médico mandou o jovem de volta para as calçadas e ruas do Mercado da Torre, onde eu o conheci.

Tomar conta de carro era, até então, o único meio de Firmino arranjar trocados e o sustento de casa. Interava com doações que recebia dos comerciantes da Torre - das barracas, alimentos meio estragados; dos mercadinhos, produtos vencidos ou quase.

Mas Firmino, pelo que me dizia, tinha uma confiança incrível no futuro. Acreditava mesmo em dias melhores. E fez por onde melhorar. Pediu, persistiu e terminou arrumando emprego de empacotador-carregador em um daqueles supermercados da Manoel Deodato.

Não foi muito além, contudo. Chegou a caixa do estabelecimento, embora a promoção lhe tenha reduzido um pouco o ganho. Trabalhando de caixa, ficou privado das gorjetas que ganhava por levar a feira dos clientes até o carro.

De qualquer sorte, a vida nunca lhe parecera tão boa. Tinha emprego de carteira assinada, salário líquido e certo e até namorada arranjara - Luiza, empregada da lotérica que funcionava pertinho do supermercado onde trabalhava.

Os dois se conheceram porque Firmino vez por outra fazia uma fezinha na Mega-Sena e quase sempre procurava ser atendido no guichê de Luiza, onde jogava praticamente os mesmos números, invariavelmente no meio da semana.
Jogava cinco dezenas fixas, que correspondiam ao dia e mês de seu nascimento (07/10), ao ano corrente (2o/09) e à sua idade (28). A dezena variável ele tirava da compra de menor valor que passasse no seu caixa na véspera do sorteio (das quartas-feiras).

Depois que começou a namorar Luiza, Firmino dispensou-se de ir à lotérica fazer o seu joguinho. Nas terças à noite, entregava o dinheiro e as dezenas à namorada e ela, dia seguinte, processava a aposta no trabalho.

A sério

Entre uma Mega e outra, o romance evoluiu bem. Noivaram e marcaram casamento.

Sogra Desconfiada

Dona Guia, mãe de Firmino, quase teve um troço quando soube."Ave Maria! Nem sei o que será de mim e dos meus mais novos se Firmino sair de casa pra casar", passou a dizer às vizinhas e amigas após o filho comunicar que noivara.

E, por mais que o rapaz dissesse que mesmo casando continuaria a morar com a mãe e os irmãos, até por que ele e Luiza ainda não tinham grana para montar casa própria, Dona Guia não acreditava.

Na verdade, ela não gostava da nora. Não sabia exatamente porque, mas não gostava. Achava a moça meio fingida, meio sonsa. "É do tipo que só quer pegar o besta pra depois botar as unhas de fora", comentava com o povo de fora.

Indiferente aos queixumes e fofocas de Dona Guia, Firmino seguia apaixonadíssimo por Luiza, cada vez mais convicto e confiante na sua escolha. Quanto à moradia, dividir casa com a mãe e os irmãos seria bem provisório,tanto no tempo como nas instalações.

O plano do casal era adquirir uma casinha o mais depressa possível. Para tanto, desde quando botaram aliança economizavam centavo por centavo para começar uma vida a dois com certa poupança, conforto e boas perspectivas de melhora.

Além do mais, Luiza iniciara um curso de computação e tinha promessa de emprego melhor, em um jornal da cidade. Para tanto, paralelamente ao curso estava aprendendo diagramação de meios impressos com um primo dela que mora nos Bancários.

A Noiva Sumiu

O tal primo pode ter sido um dos ultimos parentes a manter contato com Luiza antes de ela desaparecer misteriosamente há mais de um mês. Já Firmino, coitado, pelo que me disse um colega dele de supermercado, enlouqueceu com o sumiço da noiva.

A última vez em que os dois se encontraram foi justamente uma terça à noite, quando ele a deixou em casa. Acertaram de se encontrar ao meio dia da quinta, para almoçar, porque na quarta trabalhariam o dia todo e à noite ela teria aula com o primo.

Meio dia da quinta, conforme o combinado, Firmino foi buscar a noiva na Lotérica. "Apareceu aqui hoje não", disse-lhe uma colega de trabalho de Luiza. "O patrão até mandou ligar pra casa dela, mas nem em casa ela apareceu ontem à noite", acrescentou.

Ao ouvir a informação, um bilhão de coisas ruins passou pela cabeça de Firmino. Ele escolheu, talvez, a pior das alternativas para acreditar. Botou na cabeça o seguinte :voltando do curso para casa, Luiza fora assaltada, estuprada e morta.

Com pensamento ruim na cabeça, Firmino saiu dali correndo e só parou na casa de Luiza, onde encontrou os pais dela tão aflitos quanto. E nessa aflição, nessa agonia, nessa correria, evidente que não prestou atenção na faixa colocada no frontispício da lotérica.
"Saiu daqui o ganhador da Quina - R$ 353.448,73", anunciava a faixa. Na parte de baixo, no cantinho direito, letras menores informavam as dezenas sorteadas na noite da quarta-feira: 07-09-10-20-28-59.

Rubens Nóbrega
Jornalista

Publicada no Jornal Correio da Paraíba.
Edição 11/10/2009.

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