Não precisou de uma palavra
Com um sorriso no cantinho da boca, reage com um pouco de alegria nas curvas do rosto, mas não o suficiente para esconder nos lábios e retinas o que meu coração captara naquele encontro do acaso. A sua infância foi roubada sem permitir-lhe o que aquelas outras crianças, meus filhos, que o olhavam, estavam a desfrutar.
A companhia fraterna dos pais. O conforto do passeio de carro. A roupa nova, limpa e passada, o aconchego do carinho, o direito de ter sem pedir, sem humilhação, sem pé no chão, sem sol na cara, sem piada, sem censura, sem xingamento, sem desprezo, sem desdém...
Contenho-me minha repentina reflexão e inquiro-lhe sobre a escola. Sim, ele estuda bem perto da casa de seus pais, nas imediações da Beira da Linha em Mandacaru. Sem calcular direito a pergunta, quero saber um ponto de referência de sua residência, do lugar onde vive...
Inocentemente, Ryan tenta me ajudar com uma frase que pouco ou nada acrescentaria: "Moro ali bem perto daquele sítio onde 'João' morreu. Ele teve um infarto", contextualiza o pequeno com voz já prematuramente grave e amadurecida.
Não ignorei. Certamente, aquela conversa desconcertante e inusitada levou-o por alguns instantes a pensar que eu poderia saber mais sobre ou até compor o pequeno "mundo" em sua volta. Fingi que aquela informação não era desimportante e fiz um ar de quem estava mais ou menos entendendo seu esforço.
Olhei bem no fundo dos seus olhos e disse-lhe ter gostado muito de nossa conversa. Arrisquei e pedi para tirar uma fotografia sua . Acanhado, ele não resistiu. Postei o celular na sua direção e pedi uma pose. Ele permaneceu firme. Na postura e no olhar. Era uma expressão dura demais para uma criancinha de dez anos.
Baixei a câmera e solicitei um sorriso para enfeitar seu lindo e expressivo rosto. Ele voltou a soltar os lábios timidamente. Disparei o botão e elogiei o resultado da imagem. Entreguei-lhe um modesto 'presente'. Seus olhos reagiram com surpresa seguida de um "muito obrigado".
Depois de nova pergunta sobre seu iminente paradeiro, Ryan informa que vai pegar o ônibus pra casa bem ali na esquina. Aperto sua mãozinha suja e frágil na aparência e sinto de volta um firme cumprimento. Antes de seguir seu caminho de pés descalços, o meu novo amigo não esquece de dizer um angelical: "Feliz Natal pro senhor".
Seguindo comigo
Dou ré, passo bem ao lado de sua parada de ônibus e o sigo pelo retrovisor até onde a vista pôde alcançar. Ele também me acompanha até o momento do próximo veículo atravessar seu raio de visão. Pego meu itinerário. Um silêncio invade o carro e o frenético Retão de Manaíra.
Além das lentes dos meus óculos, olho embaçado no horizonte da avenida decorada de carros, outdoors e vitrines... A cena não me sai do juízo. Num esforço inócuo, tento imaginar o passado, o presente e principalmente o futuro daquela criaturinha de Deus.
Antes de vencer o próximo sinal, lembro-me dos cabelos longos, da pobreza do pequeno Ryan e como num flash recordo-me do filho do carpinteiro de Nazaré. Tão singelo de nascimento, tão humilde de vestes e tão poderoso nas palavras e exemplos.
Um soluço ultrapassa minha faixa de advertência. Ao seu modo, de maneira inesperada e particular, o próprio Jesus acabara de estar comigo e se revelar com sua mansidão e amor para dizer-me que o seu Natal é de sentimento e não das coisas
Heron Cid
Jornalista e Repórter Político da Rede Correio SAT de Rádio,do programa Correio Debate e da Rádio CBN João Pessoa.
Publicado no jornal Correio da Paraíba
Caderno Política
Edição de 25/12/2012
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