terça-feira, 28 de agosto de 2018

Onélia Queiroga - O Espargir Da Luz





A vida do homem, em alguns momentos, apesenta-se cheia de glória e de sucesso, levando-os a inebriar-se com o forte clarão dos refletores que tanto divulgam a sua vitória e estatus quo. A época envolve-o de doces sonhos e de inúmeras quimeras. E, assim hipnotizado , não avalia a diminuição de sua capacidade de discernimento, para fazer um verdadeiro juízo de valor sobre as censuras positivas e adotadas por algumas pessoas, sobre a amizade recente de outras, não existente em tempos pretéritos, sobre a benevolência de tantos que chega a incomodar.

Empolga-se com o seu alto índice de prestígio e popularidade que pensa ser o mais inteligente e sábio dos seres humanos. As luzes, o ambiente repleto de convidados, os aplausos vibrantes da plateia  inflam-no de vaidade, origem maléfica do culto à sua personalidade. A partir daí, nada vê, nada enxerga. Só poder.

Esse tempo durou mais do que o suficiente para transformar o antigo homem bom, humilde e cordial, em outro, somente igual ao do castelo do homem sem alma. O tempo acabou. O homem petrificado voltou ao se antigo habitat. Iria readaptar-se? Pensou que sim, pois logo os amigos novos e antigos viriam visitá-lo. Esperou dias, meses e anos. Poucos vieram: só os autênticos.Sentiu-se magoado. Como poderiam fazer tamanha desfeita a ele que fora tão atencioso com todos? De repente, reconheceu a face de cada um. Suspirou e disse para si mesmo: O homem de hoje que sou, ainda pode reencontrar aquele que fui.

Vestiu-se com a simplicidade de antes. Com a família viajou para a casa dos pais. Precisava vê-los e as suas raízes: o sino da igrejinha a tocar, o professor das primeiras séries, o gorjeio dos pássaros no arvoredo, o ar que freme, quente. O homem perdido viu tudo. Dormiu em paz. Acordou outro. Recuperou o que fora a alma que se amainara, o espírito que recobrara a luz, na luz do dia que, há pouco, vira nascer e clarear,com segurança, o novo caminho a trilhar.

Por Onélia Queiroga

Escritora e Professora de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da UFPB.



Publicada no jornal Correio da Paraíba
Edição de 26 de agosto de 2018
Aos Domingos
Caderno 2 

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