quarta-feira, 6 de março de 2024

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.




Luciana Souza

Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido.

Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, ao final da tarde.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. 

E os donos da casa recebiam alegres a visita. 

Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. 

Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. 

Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. 

Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. 

Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. 

Como um anjo, surgia alguém lá da cozinha, geralmente uma das filha e dizia:

- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma gastronômica fartura. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... 

Tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.

Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? 

A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança.... 

Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... 

Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. 

Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. 

Era assim também lá em casa.. 

Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e tudo virou solidão. 

Tive bons professores:  televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém.

 Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída?

Ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas.

Casas trancadas.

Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar. Só restou as lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...

Que saudade dos compadre e da comadre!


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