terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ministro Luiz Gushiken - O Poder Do Desapego - Sobre o Câncer

Luiz Gushiken

O ministro conta como a doença mudou seu modo de fazer política

Luiz Gushiken, o poderoso dono das contas de publicidade do governo, integra o reduzido grupo que diz a verdade ao presidente. Também está num time ainda mais seleto. É dos poucos que Lula ouve.Famoso por parecer nunca querer o poder, mas sempre o conquistar, o ministro de Comunicação e Gestão Estratégica foi elogiado por Lula pelo "desprendimento". Por telefone, ele contou a ÉPOCA o que o confronto com a morte determinou em seu modo de viver e de fazer política.

Época - O senhor teve o primeiro câncer aos 27 anos e perdeu um testículo. Teve medo da impotência?

Luiz Gushiken - Tive. Foi duro. Não sabia se estava estéril ou impotente. Não tinha filhos ainda. Fiquei tenso até ter certeza de que tudo estava bem. Tive ainda uma experiência terrível, de choque anafilático, nesse período. Acordei na UTI, amarrado. Não esqueço da imagem das enfermeiras me segurando e eu me jogando contra as paredes.

Época - O senhor escondeu o câncer da família por dez anos. Por quê?

Gushiken - Naquela época o câncer era o mesmo que morte inevitável. Se eu contasse, pesaria muito sobre a família. Suportei porque a utopia socialista concentrava minhas energias.

Época - O senhor teve o segundo câncer em 2002, pouco antes da campanha. O que mudou de lá para cá?

Gushiken - Mudou muito, muito, muito. Você tem a Patrícia Pillar, que estava careca e agora está aí, mulher linda para burro. Tem mil experiências de pessoas que tiveram câncer e estão bem, trabalhando, seguindo a sua vida. em todas as áreas.

Época - E como foi?

Gushiken - Eu vinha de um infarto e fui tratar de uma febre leve que estava me acometendo havia um mês, toda noite. Aproveitei para dizer ao médico que tinha uma queimação no estômago. Eu achava que era uma úlcera duodenal que estava se reavivando. Na endoscopia apareceu o câncer. Fiz uma cirurgia, tive uma infecção e acabei tendo de fazer outra. Fiquei 23 dias internado, com febre. Quando saí, o Lula me chamou para a campanha. Tinha decidido deixar a política em 1998, mas a política é como um rio no qual você entra e não tem como sair. Fui para  trabalhar dois dias por semana e nunca mais parei.

Época - O senhor tirou o estômago. Como é viver sem ele?

Gushiken - É difícil. Tem de ficar comendo a toda hora. Como um pouquinho a cada duas horas e não posso comer de tudo.Bolo com creme, por exemplo, não posso.

Época - Como é sobreviver?

Gushiken - Minha mulher vive me pressionando porque não faço os exames no prazo. É irritante, mas tenho de suportar porque a vida depois do câncer é assim. Perdi 24 quilos e hoje brigo para engordar. Queria muito engordar um pouco.

Época - O senhor é conhecido como um político que não quer o poder, mas acaba por conquistá-lo. O que o câncer tem a ver com isso?

Gushiken - Eu não fico disputando espaço com ninguém, não sou obrigado a fazer muita mediação. Nem fico pensando nos efeitos negativos de alguém interpretar mal minhas palavras. Eu falo e, se a pessoa achar que está errado, ela diz. Fica mais fácil de se movimentar. Não me interessa o que vai acontecer daqui a dois anos. Não tenho preocupação com minha carreira no futuro. O que vale a pena para mim é mergulhar no que estou fazendo hoje. Isso tem a ver com o câncer. A experiência da agonia ajuda a se libertar da prisão do ego. Não seria político com essa inteireza toda se não fosse o câncer.

Publicado na revista ÉPOCA
Especial
Entrevista
21/07/2003
Faleceu em 14/09/2013

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