Mônica de Castro
Uma vez eu estive nessa vida e aprendi com o sofrimento que não sabia como viver. Então sofri, chorei e amarguei uma dor que pensei que jamais findaria. Morri e continuei a sofrer, pensando com meus instintos, misturando minhas dores às dores de meus irmãos perdidos no umbral. Foi terrível. Como sofri e como foram longos aqueles dias, que mais pareciam noites intermináveis.
Chorei e chorei, até que um dia, não sei por quê, alguém me disse que Deus existia. Fiquei confuso e transtornado. Deus era demais para mim. Imagine se ele se dignaria a voltar a uma criatura tão insignificante o seu olhar grandioso? Aí, deixei de pensar em Deus, e continuei a sofrer e a sofrer. Novamente, o tempo foi passando. As trevas eram sufocantes e eu não conseguia largar aquela vida... ou aquela morte.
Então, novamente, alguém me lembrou que Deus existia, e tanto fez, que eu acabei me convencendo. Pensei, então, que ele não devia ser assim tão ocupado, tão superior, tão distante de seus filhos que não pudesse perder uma ínfima fração de seu tempo para me ouvir. Meio em dúvida ainda, volvi meus olhos para o céu, que, de onde estava, era negro e só negro, e arrisquei uma tímida oração. Foi curta e singela, mas com tanta fé, com tanto sentimento, com tanta sinceridade, que no mesmo instante aquelas trevas se iluminaram e uma pessoa (mais parecia um anjo a iluminar e clarear aquela imundície toda) apareceu e, sem dizer nada, sorriu para mim e estendeu-me a mão. Eu, temeroso, segurei-a com força; ou melhor, me agarrei a ela, com medo de que sumisse e eu ficasse ali. Mas essa mão era amiga, e soube me acariciar com um amor tão grande e tão puro que eu jamais pensei existir. Foi muito lindo! Eu estava extasiado, feliz, confortado.
Voltei a chorar, mas dessa vez minhas lágrimas eram de gratidão. Deixei-me levar por aquele ser tão alvo, e fui recolhido em um lugar de repouso e refazimento. Mais alguns anos se passaram e eu me modifiquei. Tive oportunidade de reencarnar, mas preferi ficar ainda mais algum tempo na colônia que habitava. Tinha ainda muito a aprender.
De lá para cá, fui ficando, e passei a buscar alguém com quem pudesse me comunicar para escrever. E achei você. Não que a tenha encontrado por acaso. Absolutamente não, eu já a conhecia, mas o lugar, o tempo, isso não posso ainda lhe revelar. Com o tempo você ficará sabendo de tudo. Mas agora não. Tenha calma e aquiete a impaciência e a ansiedade. Contente-se em saber que eu existo e felicite-se por ter a oportunidade de partilhar dessas experiências todas que tivemos: as suas e as minhas, dessa vida e de outras. Com o tempo, você irá se acostumar, assim como eu também já estou me acostumando.
Bom, recebi autorização para inspirá-la com esse romance, um romance que há muito você desejava. A história é real, mas situa-se em época e em lugar diversos daqueles em que realmente aconteceu. Os nomes... alguns são os mesmos, outros são fictícios. Em seu íntimo, você sabe de quem estou falando. Fui escritor em vida, não daqueles famosos, mas dos boêmios, que perdem a vida entre a bebida e versos românticos que ninguém jamais lerá. Vê como temos muitas afinidades?
Não se preocupe comigo, em saber o meu nome. Você sabe que os nomes não têm a menor importância, e eles são trocados da mesma forma como trocamos a roupagem carnal. Eles são efêmeros e somente servem para nos identificar e, por vezes, nos individualizar, mas não demonstram nem definem o que realmente somos. No entanto, como é de seu desejo, vou ditar um para você, com o qual você poderá me invocar e através do qual poderá me conhecer:
Leonel
Rio de Janeiro, 12 d março de 2000.
Do livro de sua autoria "Uma história de Ontem"
Editora Vida e Consciência.
continua...
continua...
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