terça-feira, 28 de março de 2017

Germano Romero - Prisioneira Da Janela


Andei passando pelo bairro Cruz das Armas, cuja razão de seu nome desconheço. Mas, sei que é um dos bairros mais importantes da cidade. Populoso e adensado, antigamente era completo. Tinha tudo. O cinema Glória, o Clube Internacional, o Estado da Graça, o Mercado Público, bom comércio e serviços são apenas algumas das características que o tornavam uma comunidade, a bem dizer, autônoma. Além de um bucolismo aconchegante, sobretudo lá pelas décadas de 50 e 60, tempo em que galos " teciam as manhãs", e pouco mais, os passarinhos.Tempo em que, um dia, se dava um bom dia.Tempo de janela aberta,em que as tardes convidavam a postar-se nas calçadas, sem pressa e sem medo.

Hoje mudou tudo. O trânsito é intenso, o barulho é urbano, já reflete a agonia de um tempo que é moderno. Muitas casas reformadas e famílias que partiram.

Naquela manhã, entrando em João Pessoa, tive que passar por lá.Cedo, com o Sol ainda morno, e o rebuliço urbano que já rugia voraz. O trânsito emperrado, parando nos sinais e, numa dessas paradas, observei uma casa que guardava em seu jardim, e na fachada original traços do romantismo de outrora. Mesmo com as janelas, agora, gradeadas, a casa era muito simpática e me transportou, ainda que por alguns segundos, aos tempos de paz e poesia.

Olhei para o terraço e vi na portinhola engradada o rosto de uma senhora, avançada na idade, contemplando o que passava e quiçá a própria vida.

Os cabelos quase brancos e os olhos fixados num tempo bem distante. Fiquei imaginando que lembranças desfilavam dentro daquele olhar. Tão sereno, tão distante, tão opaco. 

Certamente em muita história ela havia de pensar. Ao ver aquela rua com zoada e tanto carro. Tudo se tornara estranho, sem bom dia, sem boa tarde, nem cadeira na calçada. Só o medo e o progresso que agora lhe prendiam por detrás da janelinha.

Germano Romero, arquiteto e bacharel em Música.

Publicada no jornal Correio da Paraíba
Edição de 24 de março de 2017
Opinião

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