quarta-feira, 27 de abril de 2011

Onélia Queiroga - Assim Era Traçado O Destino No Passado



um conto-uma crônica

O dia amanhecera lindo, propício à consecução da viagem a Fortaleza. O amigo Amâncio comprometera-se a emprestar a burra. Longa era a estrada, mas valia a pena tanto sacrifício. Pediria a mão de Dora ao pai, senhor cerimonioso, mas acolhedor.

O amigo de infância, José, soubera dos seus planos e resolvera conversar com ele para dar-lhe uns conselhos e orientações mais sábias e práticas no seu entender.

Na véspera da partida de João, estavam os dois a prosar na varanda da casa de José. Depois da conversa mole, sem roteiro definido, este aborda o amigo com a pergunta fulminante:

- Que idéia é esta de ir buscar moça, no Ceará, para casar?

- Não é idéia, é decisão. Viajo amanhã.

- Por que você não casa com a minha irmã, Sara? Estupefato, João arregala os olhos, engasga-se, tosse e não sabe o que responder.

- Entendo o seu espanto, mas veja se não tenho razão. Escute! Três argumentos praticissímos tenho para convencê-lo. O primeiro é que você evita viagem tão longa e penosa; o segundo é que lhe popa de um prejuízo, caso a burra seja mordida por uma cobra; o terceiro é a probabilidade de êxito num casamento com moça da terra, sem falar na redução das despesas.

João o ouvia, atentamente. Ao cabo da narração, indaga-lhe de chofre: - Será que ela quer? - Só se sabe perguntando, respondeu-lhe José.

E, sem perder tempo, grita: - Sara! Venha cá! A irmã acorre ao chamado. O mano diz-lhe o motivo. Sem delongas, ela fala: - Se ele quiser. eu quero.

Malograda fora assim a viagem ao Ceará. Casaram-se e viveram muitos anos em perfeita harmonia, apesar das boemias do consorte. A mulher tudo via, nada dizia, por ser o marido dono de casa, amante e companheiro ao mesmo tempo. Deu-lhe seis filhos, com muito amor e carinho. Sara, ao morrer, põe fim ao idílio. Tempos depois, João contrai novas núpcias, sem largar de todo a vida de pândego.

O quase cearense foi um bon vivant. O seu modo de ser parece ter revitalizado a sua longa existência de cento e dois anos, quando morreu, reverenciado por todos.

Onélia Setúbal Rocha de Queiroga.

Escritora e Professora de Ciências Jurídicas
da Faculdade de Direito da UFPB.
Colunista do Caderno 2, página Cultura,
do jornal “ Correio da Paraíba”.

Histórias Orbícolas.
Páginas 47, 48, 49.

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