sexta-feira, 23 de março de 2012

José Leite Guerra - De Clube E Cafés Sumidos



Era nos cafés localizados no Ponto Cem Réis, decantados magistralmente por Gonzaga Rodrigues, que se arrumavam amigos. Em blocos, a comentar todas as patifarias, politicagens, casos graves, nascimentos e féretros. As visões se clareando no sorvedouro ruidoso do líquido preto contido nas xícaras. Depois, naturalmente, se puxava um cigarro virgem e continuavam as conversas sacudidas ao léu, invenções de casos, falações das coisas da vida, comentários sobre isso ou aquilo. Também no antigo Clube dos Diários ou Cabo Branco, defronte à Misericórdia, onde pontificavam viciados em gamão, xadrez, damas: outro reduto de congregação de amizades firmes. Nessas duas áreas compareciam aliados despossuídos de tudo, menos da solidão ou adeptos de isolamentos.



Um nada fazer, cada dia, como numa repartição pública sem ofícios, carimbos, birôs e chatices protocolares. Sem consulta a relógio de ponto. Não eram aposentados somente, mas gente em plena atividade que estancava sua pressa para uma prosa. Prosa bem humorada, do sabe da última, pois foi assim, quem diria...



Tanto na derrubada Praça do Relógio, hoje, Vidal de Negreiros, transformada num deserto de cimento para shows, quanto na sede central do Clube, sintonizava-se o espírito da interação, da intimidade sincera, do abraço. Há quanto tempo, hein? Pensei que estavas longe, muito longe.Nunca faltavan novidades e, se não surgiam, eram inventadas para que o vácuo do silêncio não predominasse. Quantas crônicas foram ali cronometradas! Comentários impublicáveis surgidos ao sabor quente dos cafés servidos nos balcões por bonitas atendentes.Ali, em ambos os redutos, havia a formatação de jornais invisíveis impressos pelas línguas afiadas ou comedidas. Conjunto de acontecimentos que jamais os diários impressos trariam em suas páginas. E muita gente ainda desconhece fatos e atos narrados no cochichar. Uma iconoclastia de figuras intocáveis e de destaque na sociedade enfeixada nas colunas sociais, cuja degola se processava em comentários impiedosos.



A cidade foi perdendo a virgindade de provinciana. Entregou-se nos braços da modernidade, beijando as inovações que se vieram sorrateiras, a modificar os usos e costumes, as pessoas passaram a envergar outras poses, outras modas, modelos que se foram, chamando a uma vida isolada. Aos poucos os cafés foram cerrando suas portas e, recentemente, o clube que não obteve a misericórdia nem da patrona do tempo do qual se avizinhava.



Lojas de confecções em lugar do querido "Café Alvear". Uma repartição municipal ocupava o espaço do clube, onde se jogava o tempo ocioso. O Clube está reduzido a um pequeno terraço de casa desgastada. Fatalidades insuperáveis. E tristes.



José Leite Guerra

Escritor.


Publicada no jornal Correio da Paraíba.

Edição de 18/03/2012.

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