sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Laura Cardoso - A Sociedade Não Me Via Com Dignidade

Ás véspera de completar 90 anos, Laura Cardoso relembra preconceitos, reafirma seu entusiasmo pelo trabalho e confessa suas paixões: o bisneto, o chocolate e um amor proibido.
Laura Cardoso
"Por favor, me chame de você. Se não vou me sentir muito velha..."brinca Laura Cardoso, do outro lado da linha.Prestes a completar 90 anos, na próxima quarta-feira, dia 13, e já com 75 de carreira, a veterana não gosta de ser tratada por "dona" nem "senhora". Esbanjando vitalidade, é uma das atrizes mais produtivas de sua geração - em março, despediu-se do horário das seis como a vilã Dona Sinhá, de "Sol Nascente", e já volta ao ar em outubro nas pele de Caetana, dona de um bordel em "O outro lado do Paraíso", próxima novela das nove. Nesta entrevista, a paulistana Laurinda de Jesus Cardoso Baleroni repassa sua história pessoal e sua trajetória artística com orgulho, mas sem saudosismos: "Estou sempre de olho no futuro".

Vai haver uma grande festa pelos seus 90 anos?
(Risos). Só um jantarzinho em família... Não sou tão festeira, mas gosto de celebrar. Um bolinho não pode faltar! É interessante chegar aos 90 cercada de quem eu gosto, com saúde e ativa. Amo muito e respeito o meu ofício. Nunca sinto cansaço para trabalhar! É claro que não tenho a força muscular dos 30, 40, 50 anos. Mas ainda me sinto bem. E muito, muito contente por estar trabalhando.

Tens cuidados especiais com a alimentação? Costuma se exercitar?
Eu sou indisciplinada, viu? Gosto muito de andar, conhecer os lugares a pé. Mas não sigo dieta alguma. Como o que eu gosto, quando eu quero. Graças a Deus, não tenho diabetes nem pressão alta, minha genética portuguesa é muito boa!Agora, sou louca por doces, chocolate!Como muito e depois passo mal. E nunca fui de beber, meu corpo não aceita bem. Só de vez em quando é que eu tomo meia taça de vinho branco.  

Você é uma das poucas atrizes de sua geração que não passaram por cirurgias plásticas, certo?
Tinha uma colega que dizia que minha autoestima era grande, porque eu sempre confiei na minha cara do jeito que estava (riso). Não tenho problema algum com minhas rugas. Meu rosto reflete a minha vida, a minha alma, o que amei, o que sofri...Eu me gosto assim.

Considera-se uma mulher bonita?
Olha, gosto mais de ser chamada de inteligente que de bonitinha. Eu diria que sou charmosa...Prefiro que enxerguem minha beleza interior.

Dona Sinhá, de "Sol Nascente", subvertem a ideia de que os velhinhos são fofinhos. Era uma pilantra!
Ah, eu adorei fazer, e o público adorou assistir, né? Ela era bem vibrante, foi uma desconstrução mesmo. Tem muito idoso mau-caráter por aí, como a Sinhá.

Gosta do termo "melhor idade" para definir a velhice?
As pessoas tratam o idoso como se ele fosse um robozinho. É um tal de "senta aí", "come isso", "faz aquilo"... Nunca fui vítima de grosserias, as pessoas se dirigem a mim com carinho e respeito. Mas não tem essa de "melhor idade", não! De melhor, a essa altura do campeonato, só a experiência adquirida. Eu amo a juventude, a mocidade! Hoje, não tenho mais a força muscular e a pele bonita de anos atrás. É muito diferente!Acho que é o jeito com que você leva a vida que faz a idade ser melhor ou pior, seja na velhice ou na mocidade.

Seu afastamento da novela, por conta de uma infecção urinária, preocupou...
Pois é, foram dois meses, ou mais, longe. O diretor e o autor me esperaram ficar boa. Isso para mim foi um presentão! Fiquei aflita para voltar a gravar.

Costuma contar quantas novelas, peças e filmes fez?
Não, nunca conto. Soube que sou a segunda no ranking de atrizes que mais fizeram novelas, só fico atrás de Ana Rosa.

Desses 75 anos de carreira, o que foi mais emocionante?
O que eu mais amo é ser reconhecida pelo público, receber aplausos. Sinto que esse carinho é sincero.Acho que sou uma das atrizes mais premiadas do Brasil.

Teve alguma decepção?
É incrível, mas na minha carreira não houve tristezas. Só ficava cabisbaixa quando não era escalada. Sempre trabalhei continuamente. Quando estou descansando, quero logo voltar.

Aposentadoria, então, nem pensar?
Ah,não sou muito de férias nem de aposentadoria. Acho que, se você parar, morre alguma coisa por dentro. Trabalho é vida, faz a cabeça e o corpo funcionarem, o coração pulsar forte.

O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
Gosto muito de ler, desde pequeninha. É um hábito que cultivei com meu pai. Leio dois, três livros ao mesmo tempo. Também adoro cinema. Mas tenho viajado bastante, ultimamente, para uma casa de campo que tenho aqui em São Paulo, entre Sorocaba e Itu.

Na capital, você mora sozinha?
Agora, moro com uma filha, a Fernanda, de 55 anos. A outra, Fátima, de 60, mora no meu prédio. Fiquei viúva muito cedo (Laura foi casada com o ator, roteirista, diretor e produtor de TV Fernando Baleroni por 34 anos, ele morreu em 1980).

Você teme a solidão?
Ah, não acho nem um pouco bom, não. A gente tem que ter gente por perto para olhar, conversar, discutir, amar... O ser humano, definitivamente, não nasceu para ficar sozinho. Por um tempinho, pode até ser.

Você tem duas filhas, duas netas (Adriana, de 39 anos e Cláudia, de 40) e um bisneto (Fernando, de 17). Ele é o único homem da família, certo?
Laura com o bisneto Fernando e uma colherada de chocolate
É, e sou muito apaixonada por ele!Digo que Fernando é o meu último caso de amor. Paparico mesmo!Esse menino é o rei para mim. Quando ele nasceu, fiquei muito contente. É que eu já estava meio cheia daquela mulherada toda (riso)...Entre Fátima e Fernanda, cheguei a ter um menino, mas ele morreu bebê, logo depois que veio ao mundo, por um problema sanguíneo.

Chegou a renunciar muito da convivência com suas filhas pelo trabalho? E se culpou por isso?
Eu e uma porção de colegas atrizes que tiveram filhos. Mas eu não me arrependo de ter me dedicado demais ao trabalho, à carreira. Tive sorte por ter uma mãe maravilhosa, santa, que ficou ao meu lado, me ajudando com as meninas. Elas reclamavam da minha falta. Hoje, vivemos grudadinhas. Minha família sempre teve orgulho de mm. Ficam muito felizes quando recebo um prêmio.

Antigamente, atrizes eram vistas como prostitutas. Você chegou a sofrer preconceito?
Passei por isso, sim. A sociedade não me via com dignidade, mas eu não dava a mínima. Hoje, a profissão se cerca de um glamour até exagerado. As pessoas acham que todo ator é milionário e tem uma vida perfeita. Não somos intocáveis. Também vamos para o hospital, casamos, descasamos, ficamos desempregados...Nunca me deslumbrei. Nasci pobre, filha de pais comerciantes. Sempre sonhei, mas nunca tirei os pés do chão.

Sempre teve personalidade forte?
Digo que sou feminista desde garotinha. Sempre fui à frente do meu tempo. Sou arrojada, corajosa, lutadora. Eu lutei pela minha carreira. Nem minha mãe queria que eu fosse atriz, e eu segui meu caminho como escolhi. Comecei com 15 para 16 anos, no rádio.

Já presenciou ou sofreu assédio?
Nunca sofri nada, mas já vi muita coisa que me deixava indignada. Quem assedia é doente.

Você viu o rádio perder espaço para a TV; agora, a TV vem sendo engolida pela internet. É o fim de mais uma era?
O rádio não morreu, tem programas fantásticos! A televisão também tem seu espaço garantido.Assim como a internet. Eu, na realidade, não sei nada de internet, não entra na minha cabeça. Não entendo de rede social e nem quero aprender. E, nesse negócio de celular, só sei falar "alô" e "até logo".Uso pouco.
Laura Cardoso e Lima Duarte
"O outro lado do Paraíso" é seu reencontro com o autor Walcy Carrasco depois do sucesso em "Gabriela (2012).Já está se preparando para o novo papel?
- -Tenho estudado o texto, pesquisado de onde veio Caetana. Vai ser só uma participação especial, mas, antes de toda estreia, sempre dá aquele friozinho na barriga. Fico insegura até hoje. Estou na maior expectativa porque vai ser um grande encontro: eu, Fernanda Montenegro, (a Mercedes) e Lima Duarte ( o Josafá). Somos muito amigos, há muitos anos, e nunca trabalhamos os três juntos.

Caetana começou a novela muito doente e acabou morrendo. Você tem medo de morte?
- -A ciência diz:"morreu, acabou". As religiões afirma que a vida continua em outra dimensão. Eu estou acreditando em tudo e não tenho medo de nada. É bobagem porque, quando a morte vem, não tem para onde correr.

Você já viveu algum triângulo amoroso, como acontecerá com Caetana, Josafá e Mercedes na trama?
- -Ah, a gente passa por essas coisas na vida, sim (risos). Fernando foi o meu primeiro amor, mas não o único, não posso mentir. Isso é coisa de novela e cinema. Depois que ele se foi, não me envolvi com ninguém. Aquele que eu queria já era comprometido. Aí ficou só no pensamento...Mas nunca traía meu marido.

A questão do desejo,do prazer, também cessou?
- Eu preenchi minha vida com outras alegrias, me realizo de outras maneiras.

Falta interpretar algum tipo de personagem que ainda não teve oportunidade?
- -Ah, deve faltar (risos). Eu faria um papel homossexual com a maior boa vontade e profissionalismo.Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg não foram bem aceitas em "Babilônia" (na novela, as duas atrizes viviam m casal lésbico).Eu não via o porquê disso, elas só estavam interpretando o que acontece na vida real. Eu não tenho preconceito, comigo não tem essa besteira. Acho que cada um vive a sua vida do jeito que quer e gosta. Qual o problema em dar um beijo numa colega em cena?

Você é saudosista? Gostaria de voltar no tempo para reviver alguma coisa que ficou para trás?
- -Minha vida foi boa, cheia de experiencias...Teve altos e baixos, amores, desamores. Lembro de muita coisa com alegria, foi tudo muito bom na minha época. Mas estou sempre de olho no futuro.

A atriz na pele de Dona Sinhá em "Sol Nascente"

Em cena com Maitê Proença na novela "Gabriela"

Na mesa com as filhas Fátima e Fernanda

Com o marido Fernando Baleroni

Por Naiara Andrade

Publicada na revista da TV
Jornal Correio da Paraíba
Edição de 10/09/2017
Fotos: Noticiasdetv.com

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