Denise Galvão
No fundo da Rua das Amendoeiras, ficava uma lojinha tão pequena que muita gente passava por ela sem notar.
Na vitrine, um manequim sem cabeça usava sempre o mesmo vestido de linho, já um pouco gasto. E atrás do balcão, entre carretéis e linhas de todas as cores, sentava-se Dona Celina, costureira de ofício e de coração.
Celina tinha mãos firmes e olhos cansados. Costurava para sustentar a si e ao marido doente, e, mesmo quando o dinheiro mal dava pra pagar o gás, havia sempre um sorriso leve em seus lábios — desses que nascem de quem conhece a delicadeza das coisas simples.
Todas as manhãs, um grupo de crianças parava diante da vitrine para ver as bonecas que ela costurava com sobras de tecido. Eram bonecas desiguais — uma com o braço torto, outra com um olho maior que o outro —, mas cada uma tinha um nome e uma história que Celina contava de improviso.
— Essa aqui é a Ritinha, que sonha em ser bailarina.
— E essa, Dona Celina? — perguntava o menorzinho, um garoto de bochechas sujas.
— Essa é a Estrela. Brilha mesmo no escuro.
Ela ria, e os meninos também.
Uma tarde, Celina estava encerrando o expediente quando uma mulher elegante entrou na loja.
Vestia um casaco cinza e tinha o olhar distraído, como quem vive correndo atrás de alguma coisa que nunca alcança.
— Preciso que ajuste este vestido — disse, largando um cabide no balcão. — Amanhã tenho um evento importante.
Celina assentiu. Abriu o vestido, alisou o tecido, mediu com cuidado. Era de seda pura — caro, liso, distante.
Enquanto trabalhava, ouviu do outro lado da parede a tosse do marido. Fechou os olhos por um instante.
E então, num impulso que nem ela mesma soube explicar, separou um punhado de retalhos coloridos e começou a costurar depois que a cliente se foi. Não para o vestido de festa, mas para fazer algo diferente: bolsinhas. Pequenas, simples, feitas de sobras. Colocou botões brilhantes, fitas de cetim, costurou tudo com capricho.
No dia seguinte, levou as bolsinhas para a única escola que tinha no bairro e as entregou à professora, dizendo:
— Dê para as crianças. Elas podem guardar lápis, pedrinhas, sonhos... o que quiserem.
A professora, emocionada, aceitou.
Dias depois, Celina esqueceu-se completamente do assunto. Continuou com seus ajustes, suas bonecas e o marido, que piorava. Até que, meses mais tarde, a campainha tocou.
Na porta, estava a mesma mulher do vestido de seda. Mas desta vez, o rosto era outro — mais suave, mais humano.
— A senhora é Dona Celina, não é?
— Sou, sim. — Ela limpou as mãos no avental, confusa.
A mulher segurava uma bolsinha feita de retalhos.
— A minha filha recebeu isso na escola. Disse que era “a bolsa da coragem” porque cada botão é um desejo. Desde então, ela não dorme sem ela.
Celina arregalou os olhos.
— Foi a senhora quem costurou, não foi? — continuou a mulher, com lágrimas nos olhos. — Eu… eu queria agradecer. E também… pedir algo.
Tirou do casaco um envelope.
— Sou diretora de uma fundação infantil. Precisamos de alguém para ensinar costura às meninas e meninos do abrigo. Queremos que aprendam que cada pedaço, mesmo pequeno, pode virar algo bonito.
Celina ficou sem palavras. O marido, apoiado no batente, sorria fraco.
Ela pegou a bolsinha das mãos da mulher, passou o dedo nos botões e disse baixinho:
— Engraçado… nunca imaginei que costurar esperança fosse dar lucro, e sorriu.
A mulher riu entre lágrimas.
— Então, aceita?
Celina respirou fundo.
— Aceito. Mas só se puder levar meus retalhos. São eles que fazem a mágica acontecer.
E assim foi.
A loja da Rua das Amendoeiras fechou, mas dali nasceram dezenas de costureiras e alfaiates que aprenderam o ofício com amor. Celina ensinava o ponto reto, o ponto invisível e, principalmente, o ponto de dentro — aquele que une pessoas.
Dizem que até hoje, quando alguém segura uma das bolsinhas feitas por ela, ainda sente um calor discreto nas mãos.
O calor de quem costurou o mundo sem nunca perceber que o estava remendando.

Nenhum comentário:
Postar um comentário